terça-feira, 8 de maio de 2012

O grande amor da vida de Gustavo

Gustavo olhava distraidamente para os prédios que passavam velozes pela janela do ônibus. Mais algumas paradas e finalmente chegaria em casa, abriria uma lata de cerveja e assistiria ao jogo do Timão.

“Oh, céus, que vidinha medíocre que tinha!” pensava, enquanto o veículo parava outra vez. Precisava urgentemente de alguma coisa que fizesse sua vida ficar mais interessante, ou logo se tornaria um velho solteirão barrigudo e alcoólatra.

— Com licença! — disse uma voz feminina sentando-se ao seu lado.

Quando Gustavo virou-se desinteressado para a dona da voz, seu coração deu um pulo: Aquela era a mulher com quem iria se casar! Nunca a havia visto antes, mas soube no mesmo instante que tinham sido feitos um para o outro. Aqueles cabelos castanhos tão brilhantes, os olhos escuros perfeitos, o nariz, a boca, tudo nela era lindo! Já podia imaginá-la vestida de noiva entrando na igreja, a lua-de-mel fantástica no Havaí, o apartamento em que morava redecorado por ela, os dois filhos que teriam, Roberta e Fernando, os netos brincando na sala, eles envelhecendo juntos numa casinha do interior...

O ônibus deu um solavanco, tirando Gustavo de seus devaneios. Para que todas aquelas fantasias se realizassem ele precisava tomar uma atitude! Ela estava ali, ao seu lado, a apenas alguns centímetros dele! Precisava ao menos saber o nome dela...

— Hã... — começou ele. E parou assim que ela voltou-lhe os olhos. Estava petrificado por aquele olhar tão incisivo, os cílios tão bem desenhados, as pequenas sardas sorrindo nas bochechas.

— Pois não? — disse a moça, e sua voz pareceu-lhe o canto dos anjos.

— Hmm grr.. b... sss aah?

— Oi? Desculpa, não entendi.


— Ah... é... que horas são, por favor?

— Seis e meia.

— Obrigado...

Idiota! Ela era a mulher da vida dele e ele não conseguia dizer nem um mísero “que horas são”?!

Virou-se para a janela. As luzes da cidade pareciam debochar de sua timidez. Que absurdo, ele, Gustavo, o ‘destruidor de corações’ que sempre se gabara de saber como ninguém conquistar qualquer mulher e que tinha a melhor lábia do mundo não conseguia sequer olhar nos olhos daquela moça! Ele devia estar doente, só podia ser. Mas aqueles olhos...

Virou-se para ela de novo. O que iria dizer-lhe? Deveria ser sincero, é claro. Ah, pois sim, iria dizer-lhe “oi, eu sou o Gustavo, acabei de descobrir que você é a mulher da minha vida, quer casar comigo?”! Sim, obviamente deveria dizer isso. Seria muito charmoso, só que ao contrário. Ela provavelmente acharia que ele era louco e, com noventa por cento de chances, simplesmente o ignoraria enfatizando seu desprezo. Óbvio que não poderia ser tão direto assim, seria melhor se começasse a falar de amenidades. Perguntar sobre o tempo, então? Francamente, homem, depois do “que horas são?” não conseguia pensar em nada melhor?

Ele estava começando a se desesperar. Tinha que falar com ela antes de descer daquele ônibus, e isso seria daqui a três paradas! Era uma questão de vida ou morte!

Ah! E se comentasse alguma coisa sobre sua roupa? Não, correria o risco dela achar que ela era gay. Futebol, talvez? Que tal convidá-la para ver o jogo do Corinthians com ele? Ah, mas e se ela fosse daquelas mulheres que odeiam futebol? Ou, pior, e se fosse palmeirense? Bem, poderia comentar sobre política, então. Mas e se ela fosse formada em ciências sociais e começasse a dissertar sobre o Manifesto Comunista?

Olhou-a mais uma vez; ela estava observando-o também. E sorria! Que dentes maravilhosos ela tinha! Queria dizer-lhe isso, dizer-lhe que era linda, que haviam sido feitos um para o outro, que precisavam ficar juntos, casar, ter filhos, cachorro, periquito, papagaio, um bangalô à beira mar e um jardim com orquídeas para regar; mas não conseguia achar as palavras. E se ela se assustasse?

Ela continuava sorrindo. Sim, e finalmente uma onda de coragem o invadiu.

— Hã... — disse 
—  Você é comunista?

Você é comunista? Que diabo de pergunta é essa, Gustavo? Você deveria abdicar da vida e ir viver feito um ermitão em um caverna de gelo no alto do Himalaia.

— Comunista? — ela riu. E que risada deliciosa que ela tinha! — Você é engraçado.

— Sou?

— É. Bem, esta é a minha parada — ela disse, um tanto desapontada - ou seria impressão sua? -, levantando-se e dando o sinal para o ônibus parar — Até logo.

Não! Ela iria embora assim, logo quando tivera coragem de iniciar uma conversa? Não foi um bom começo, é verdade, mas a sorte estava do seu lado agora. Ela o achara engraçado! Não podia simplesmente deixar que ela se fosse assim, sem mais nem menos. Precisava ao menos saber o seu nome!

— Ei, moça! — Gustavo gritou enquanto o ônibus parava e ela se preparava para descer — Qual o seu nome?

Ela virou-se, ligeiramente ruborizada, mas ainda sorrindo.

— Camila... — disse, e saltou.

Ele debruçou-se na janela enquanto o veículo recomeçava a se movimentar, e gritou:

— Meu nome é Gustavo! E nós vamos nos casar!

Mas Gustavo não se casou com Camila. Nunca mais a encontrou. Fez aquele caminho de ônibus às seis e meia da tarde outras oito quarta-feiras seguidas, até que finalmente desistiu. Casou-se com outra mulher, teve filhos, separou-se, casou-se de novo, teve outros filhos e viveu uma vida longa e desinteressante. Nunca, porém, deixou de pensar naquela que ele tinha certeza de que seria o grande amor da sua vida – e que, justamente por não ter sido, durante toda sua vida assim o foi.



...

Um comentário:

  1. Pô, Gustavo!! Não creio! O cara é parecido comigo, quando mais se precisa, cala-se, perde-se no traçar dos planos e perde as grandes oportunidades da vida. A sorte nada mais é do que o encontro da capacidade com a oportunidade, ele teve a oportunidade, mas não foi capaz. Pobre rapaz que amou sem sequer ter amado mesmo...

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