terça-feira, 25 de dezembro de 2012

"Crise de Natal"


No meio da sala, sentada de pernas cruzadas e iluminada pela inconstante luz colorida dos pisca-piscas, a moça fitava inexpressiva a árvore de Natal. Segurava nas mãos finas de unhas bem feitas uma garrafa de champanhe pela metade e um cigarro de filtro branco apagado. Sentia-se entorpecida. 

Era Natal, mais uma vez. E, mais uma vez, passaria esta data sozinha.

Completamente sozinha.

Não sabia por quê diabos sentia-se tão mal. Ela mesma sempre dissera a quem se propusesse a ouvir que o Natal não passava de mais uma data como outra qualquer, especial apenas para as lojas de brinquedos e comércios em geral que faturavam milhões com a propaganda consumista do tal do Papai Noel.

Mas todo ano era a mesma coisa. Dezembro se aproximava e, com ele, uma nostalgia gigantesca que fazia inclusive com que ela decorasse seu apartamento com a temática natalina.

Talvez esse sentimento fosse culpa da saudade que sentia dos Natais da sua infância, pensou ela, quando tudo era mais colorido e tinha gosto de caramelos açucarados.

Lembrava-se da confusão da família reunida, das conversas animadas, dos primos correndo para lá e para cá no quintal enorme da casa da avó.

Mas a avó morrera, os primos cresceram, os desentendimentos vieram e ela se viu passando as festas, ano após ano, cada vez mais sozinha.

Cada vez mais sozinha.

E seu temperamento também não ajudava, de fato. Precisava, mesmo, ser tão rude com qualquer um que ousasse se aproximar? Passara por bons bocados quando mais nova, de fato, e erigiu muralhas de sarcasmo e arrogância para separá-la da dor. Mas agora via-se presa atrás dessa fortaleza costumeira e sequer tinha ânimo para tentar dela se desvencilhar.

Suspirando, bebeu outro gole de champanhe.
(Era sua terceira garrafa.)

“Esse ano será diferente”, pensou ela. “Vou ser menos egoísta. Vou me aproximar mais das pessoas. Vou voltar a falar com a minha irmã. Vou...”

E então um riso seco, irônico, rasgou-lhe os lábios. Era sempre assim, todo santo ano a mesma coisa. A “Crise do Natal”. Ficava melancólica, refletia languidamente sobre sua vida, chegava às mesmas conclusões que então chegara, planejava mudanças, embebedava-se. E, no ano seguinte, continuava exatamente igual. Arrogante, sarcástica, egoísta. Sozinha.

Abriu outra garrafa de champanhe e bebeu quase todo o conteúdo de uma vez só, pensando que daquela vez seria diferente. No ano seguinte ela seria, sim, uma nova pessoa e aquela seria realmente a sua última crise de Natal.

Adormeceu ali mesmo, no meio da sala, rodeada de garrafas vazias e cigarros apagados.

...

No dia seguinte, comprou um cachorro.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Comunicado: Procura-se Uma Inspiração

Prezados leitores,

Minha Inspiração já começou sua farra de Ano Novo e está por aí, provavelmente jogada em alguma sarjeta, bêbada demais para sequer cogitar a possibilidade de voltar para casa.

(Ou seja: estou passando por um terrível período de bloqueio criativo.)

Peço desculpas aos frequentadores assíduos - se é que estes existem - e solicito encarecidamente que, caso algum de vocês aviste uma musa de cabelos coloridos e óculos escuros entornando garrafas de vinho e gritando impropérios linguísticos no meio-fio, por favor, mantenha uma distância segura da mencionada figura e, assim que possível, entre em contato com esta que lhes escreve.


Atenciosamente,
Caranguejo Excêntrico.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Caminhada (ou A Senhora De Vestido Amarelo)

A senhora de vestido amarelo preparava-se para sair. Calçou demoradamente seus sapatos marrons, procurou um chapéu que combinasse com o cinto, deu comida para seus três gatos gordos e apanhou as chaves de casa.

Estava entediada. Havia caído feio na cozinha semana passada por causa de um tapete mal colocado e o médico precisou proibi-la de sair de casa por pelo menos dez dias. Batera os joelhos. Graças a Deus não quebrara nada, mas deveria ficar de repouso e não abusar das juntas até que suas pernas não estivessem mais se parecendo com dois rolinhos gordos de massa de pão.

Olhou para as pernas. Ainda estavam bem inchadas, mas a dor era bastante suportável. E, de qualquer forma, não aguentava mais ficar dentro de casa. Sua única distração naquela semana havia sido caminhar do quarto até a sala, cansar-se terrivelmente com os programas televisivos, tentar sem sucesso aprender a usar o tal do computador com internet que sua sobrinha havia lhe dado e resmungar com os seus gatos.

Acordou aquele dia decidida a sair para caminhar. Visitaria sua amiga Selma, que vendia flores em frente ao cemitério. Conversariam sobre o tempo, a família e a morte e depois tomaria um café na padaria do seu Félix. Ele lhe contaria todos os acontecimentos dos últimos dias e ela voltaria alegre pela rua dos pinheirinhos bonitinhos.

Olhou pela janela. Talvez chovesse. Era bom levar um guarda-chuva.

O telefone tocou. Contrariada, a senhora atendeu-o. Era sua filha. Ligou para perguntar se estava tudo bem, se as pernas ainda doíam muito, se ela estava repousando como o médico mandou. Sim, não, sim. Não, ela não iria sair por aí batendo perna como sempre. Sim, sim, um beijo, tchau.

"Filhos, comportam-se como se fossem eles os pais, depois que ficamos velhos", pensou ela, rindo.

Trancou a porta da frente assobiando uma valsinha de quando era adolescente e esperou o elevador por quase cinco minutos, até lembrar-se de que o aparelho estava quebrado mais uma vez.

Aquilo seria um grande empecilho para sua caminhada. Será que ela conseguiria descer os três andares de escadas até o piso térreo? Pior: será que ela conseguiria subir de volta os três andares de escada até o seu apartamento?

Pensou por alguns instantes e deu de ombros. Faria uma parada estratégica na portaria quando chegasse, sentaria um pouco nos sofás para visitantes, conversaria com as faxineiras e depois subiria, descansada.

Desceu as escadas reclamando um pouco das pernas e muito do síndico e disse bom dia ao porteiro do prédio, que a ignorou, como sempre. Quando abriu as portas de vidro do hall de entrada, porém, notou que chovia. Torrencialmente. E ela havia esquecido o guarda-chuva. Não fosse o telefonema da sua filha para distraí-la, ela teria se lembrado de apanhá-lo. Agora não conseguiria subir para buscá-lo, suas pernas não aguentariam. E ela não confiava naquele porteiro novo para pedir a ele que entrasse em sua casa.

Frustrada, a senhora de vestido amarelo sentou-se no sofá para visitantes e apoiou a cabeça nas mãos. Olhou em volta. Ninguém com quem conversar, a não ser o porteiro novo que fazia questão de fingir que ela não estava ali.

Com um suspiro, pôs-se a observar a rua.

Havia um menino no meio da chuva. Era mais um borrão molhado e colorido do que um menino. Parecia ser o filho da Roberta, do duzentos e dois. E ele corria pela rua, pulava nas poças de água, abria os braços. E sorria. Sorria alegremente aquele sorriso que somente as crianças sabem sorrir.

A senhora levantou-se bem devagar e aproximou-se da soleira da porta. Lembrou-se de quando era menina e morava no sítio. Em dias de chuva de verão, ela e seu irmão costumavam apostar corrida molhada pelo gramado. Tinham consigo todas as verdades do mundo. A sensação era tão boa que a lembrança fê-la sorrir instantaneamente.

Então o menino parou bem em frente a ela e, rindo, fez sinal para que fosse até ele.

"Vem, dona Zuleica!" gritou ele "A chuva tá ótima!"

E ela foi. Sem pensar. Apenas caminhou em direção à chuva. Adentrou a cortina prateada de água gelada hesitante, com os passos trôpegos dos joelhos doloridos, mas envolvida por uma felicidade há muito tempo não sentida. A caminhada daquele dia rendera muito mais do que o esperado. De olhos fechados, deixou que a chuva escorresse pelo rosto e sorriu. Sorriu contente aquele sorriso que somente as crianças sabem sorrir.

- Tinha de volta consigo todas as verdades do mundo.

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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Ode à Escrita

Palavras.

Letras pretas sobre o branco juntando-se aleatoriamente em conexidades linguísticas.

Frases.

Junções de caracteres em busca de sentidos gramaticais.

Contos (e poemas e romances).

Quebra-cabeças de pensamentos estrelados que não cabem em si mesmos e consolidam-se em constelações mágicas de fragmentos de linguagem.

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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Passatempo

É de manhã, faz um lindo Sol lá fora e você encontra-se trancado em um cubículo branco e cinza de frente para um computador.

Deveria estar trabalhando, criando, desenvolvendo qualquer coisa (in)útil para o ainda mais (in)útil mercado de trabalho.

Mas está com preguiça.

Toda a sua capacidade cognitiva está descansando tranquilamente recostada em cadeiras de praia à beira-mar e tomando drinques refrescantes adornados com guarda-chuvinhas coloridos.

E você só poderá juntar-se a ela quando o relógio finalmente marcar seis horas da tarde.

Ainda são onze horas da manhã.

Pois bem.

Como o que não há remédio remediado está, creio que o melhor a se fazer é, então, escrever para passar o tempo.

Sim, isso pode ser algo interessante.

Vamos lá: ferro de passar roupa, tomada, eletricidade, água, tábua.

Tempo se passa com vinco? Ou sem vinco?

Droga, minha mãe sempre me disse que eu precisava aprender a passar roupa, não o tempo.

Uma borrifada d'água aqui, uma dobradinha ali; não deve ser assim tão difícil, afinal.

Só é preciso muito cuidado para não queimar, realmente. Tempo queimado cheira mal, causa estresse e bolhas nos pés.

Lá lá lá, e, voilá!, um tempinho passadinho rapidinho!

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Certo. E que faço eu agora com todo esse tempo que ainda está por passar?

Tenho a impressão de que ele ficaria muitíssimo melhor passado se eu estivesse fazendo qualquer outra coisa que não isto que deveria estar fazendo.

Sim, de fato.

Sinta o gosto dele, realmente está muito mal-passado, você não acha? Está mesmo quase cru, eu diria; veja só todo esse sangue que ainda escorre.

E nem adianta colocá-lo um pouco mais no fogo, tempo mal passado é imutável, permanece assim para toda a eternidade, feito cinza de lembrança.

Para que o tempo fique bem passado é necessário que assim seja desde o início, como você bem deve saber.

Desde o início.

E o quê diabos seria o início?

Bem, imagino que o início do tempo relativo seja relativo, enquanto o início do tempo absoluto é absoluto.

Agora, o que de fato seria tempo, relativo, absoluto e, conseqüentemente, o início, "decifra-me ou te devoro", a resposta para todas as perguntas não passa de um pedaço de queijo suíço com quarenta e dois buracos de diferentes tamanhos. E tamancos brancos. Francos. Aos prantos.

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quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Sobre Deus, pelo Velho Eremita da Montanha Azul De Bolinhas Vermelhas

Deus?
Certamente já está na hora de um novo deus tomar o poder.
Claro, nada mais natural.
É assim desde sempre, não é?
Um deus assumindo no lugar do outro, eu quero dizer.
Ciclo natural do Universo, todo mundo sabe disso.
O problema seria se se tentasse recolocar um antigo deus no poder: aí, sim, as coisas poderiam ser bastante catastróficas.
Porque os deuses antigos estão seguramente mortos.
Ou esquecidos.
Ou mais preocupados em encher a cara e jogar pingue-pongue em algum planeta aleatório com uma espécie pseudo-inteligente muito mais interessante do que a humana.
Você não acha?
Pois bem.
Que tal uma partida de bolinhas de gude?

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Uma coisa é você acreditar em algum deus. Outra, é ele acreditar em você.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Vício

(Dedicado a certo moço de cabelos compridos e olhar de escorpião que anda construindo castelos psicodélicos nos meus pensamentos nestes últimos tempos.)

Os copos,
Os corpos,
Os toques.

O pulso.
(Seu pulso.)

Seu rosto,
Seu beijo,
Seu riso.

Você:

Meu vício.

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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Amor



As crianças brincavam no quintal. A menina de maria-chiquinha nos cabelos corria alegremente pela grama, arrastando pelo pulso o menino sorridente da blusa manchada de terra.

Os dois se divertiam como apenas quem consegue encontrar todas as verdades do Universo em um grande pote de sorvete de chocolate consegue se divertir.

Pararam um momento para descansar debaixo de uma árvore, rindo.

- Eu gosto de você, Marcela - disse o menino da blusa manchada de terra para a menina de maria-chiquinha  nos cabelos - Quando eu olho pra você, fico com uma sensação engraçada no peito, como se uma nuvem de floquinhos doces resolvesse envolver meu corpo com pequenas doses brilhantes de alegria de arco-íris.

- Eu também gosto de você, Luís - respondeu a menina de maria-chiquinha nos cabelos para o menino da blusa manchada de terra - Você não se importa em sujar sua blusa de terra, exatamente como eu.

Então abraçaram-se e sorriram e viveram.
(E nunca mais tocaram neste assunto novamente.)

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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Era uma vez #8

Era uma vez um grande herói superpoderoso.
Um dia, o vilão contra quem ele sempre lutara aposentou-se para abrir uma pequena loja de flores.
O super-herói teve então uma bonita epifania e destruiu ele mesmo toda a humanidade.
Fim.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Compartilhamento Aleatório Do Dia #2

Pequenas porções bem dosadas de melancolia são interessantes para observar a vida como poesia. Porque a poesia é orvalho, sim, mas também é como a nódoa do brim que faz com que o leitor satisfeito de si dê com o desespero.


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Quão egocêntrico é tentar carregar consigo todos os males do mundo?











(Quando a alma amanhece nublada, o melhor a se fazer é deixá-la chover.)

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Reflexões de uma lagartixa


A lagartixa permanecia estática no alto da parede, observando com parco interesse os movimentos randômicos daqueles enormes seres desengonçados que perambulavam pelo recinto.

Que diabos de bichos seriam aqueles?, pensava ela com seus botões. Estavam sempre por aqui, por ali, por qualquer lugar para onde se dignasse a voltar seu olhar. Sempre correndo, apressados, mexendo em papéis coloridos, gritando palavras ininteligíveis uns para os outros.

Qual seria o objetivo da vida daquelas criaturas? Elas apareciam, faziam, aconteciam e desapareciam. E não serviam para absolutamente nada. As lagartixas, pelo menos, viviam a vida da forma como foi feita para ser vivida, ela pensava. Comiam insetos e eram comidas por cobras. E isso bastava.

Aqueles seres, por sua vez, pareciam nunca estar satisfeitos com o que quer que fosse. E tudo parecia girar em torno dos pedaços coloridos de papel que passavam das mãos de uns para as de outros.

Talvez os papéis coloridos equivalessem a bonitas e gordas baratas cascudas, pensou a lagartixa.

Então uma bonita e gorda barata cascuda apareceu, com uma aparência muito mais apetitosa do que a dos pedaços coloridos de papel das criaturas grandes e desengonçadas, e a lagartixa parou de pensar: precisava, mais uma vez, cumprir o seu papel belo no quadro da cadeia alimentar.

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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Conversa Aleatória Comigo Mesma #1

- Cara, tô de saco cheio.

- Saco cheio de quê?

- De qualquer coisa aleatória, eu acho.

- E como você sabe que esse saco está, de fato, cheio?

- Porque sei que ele não está vazio.

- E como você sabe que ele não está vazio?

- Porque acontece que ele está cheio.

- E se o saco estiver cheio de vazio, e vazio de cheio?

- Isso de fato iria incomodar-me muito mais.

- Pois então?

- Tanto faz.

- E agora?

- Agora nada.

- No mar?

- Em barris de cerveja.

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Não se esqueçam de suas lunetas, os guarda-chuvas cintilantes andam muito convidativos por estes dias.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Possível Conversa Entre Duas Figuras Muito Famosas Do Imaginário Cristão


Um boteco de esquina, duas figuras granuladas em uma mesa, garrafas de cerveja vazias a um canto, conversas aleatórias espalhadas ao acaso.

- Garçom, poderia trazer-nos uma porção de batatas-fritas, por favor? - pede a figura granulada de cabelos compridos e grisalhos, uma enorme barba cinzenta trançada em três partes e salientes bochechas rosadas.

- Batatas-fritas? Não sabia que você gostava dessas coisas - responde a figura mais jovem, bronzeada, com um cavanhaque negro no queixo triangular e enormes óculos escuros.

- Nada melhor do que batatas-fritas para acompanhar essas cervejas.

- E nada melhor do que estas cervejas para acompanhar de camarote esse nosso jogo com os humanos, não é?

- Eu disse a você que criar estas figuras seria divertido.

- Mais divertido ainda é jogar com a cabeça deles como estamos fazendo agora!

- Concordo com você. Um brinde a isso?

- Um brinde!

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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

Breve Bate-Papo Com Minha Inspiração Alcoólatra

- Inspiração, você tá aí?

- Não.

- Saia desse quarto, Inspiração. É segunda-feira. Precisamos trabalhar.

- Não.

- Vamos lá. Não vai ser tão ruim assim, eu prometo.

- Não.

- Por favor, Inspiração. Faça esse favor para essa sua amiga descabelada.

- Não.

- Vamos lá, ânimo, menina!

- Não.

Silêncio.

- Você encheu a cara ontem, de novo, né, Inspiração?

- Só eu, né?

- ...

- Não.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Brindemos!



Brindemos, brindemos!

Tragam cervejas, cigarros e vinhos
e tudo aquilo o que nos abram os caminhos
dos sonhos, despertos ou distintos.

Brindemos, brindemos!

Teçam alegrias despreocupadas
e sensações ao acaso despejadas
sobre as sombras das simbologias atrasadas.

Brindemos, brindemos!

Bebamos quaisquer filosofias
e embarquemos nas suaves heresias
desencontradas das doces noites ébrias de boemia.

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Brindemos, meus amigos, brindemos.
Às abstrações psicodélicas dos multiversos desconhecidos,
brindemos.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Realidade?


Fantasia, velha e encarquilhada,
observa tudo completamente calada.

Seu castelo de cartas a desmoronar,
seu reino a agonizar,
seu povo a expirar.

O templo da imaginação profanado,
a pseudo-realidade imposta sem agrado,
as mentes perdendo-se por meros trocados.

Mas em um mundo imaginado
os pássaros voam livres;
Suas penas estão queimadas.

E os sonhos,
ah, doces sonhos!,
tornam-se apenas contos de fadas.

(São Pedro, 05 de Janeiro de 2006)

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Conjectura Ébria Sobre Transportes Públicos


Ônibus lotado é uma coisa esquisitíssima.

Olhando por fora, você nunca imaginaria que realmente há qualquer possibilidade de que caibam dentro dele todas aquelas pessoas encolhidas e retorcidas do jeito que só quem costuma se utilizar do transporte público das grandes cidades sabe como fazer.

Tal peripécia com certeza desafia as leis da física: ali dentro, definitivamente dois corpos podem ocupar o mesmo lugar.

Pois bem, creio que a explicação mais plausível para essa situação seja a de que os ônibus – e trens e metrôs  das grandes megalópoles são, em verdade, pequenos fragmentos isolados de um universo paralelo ao da Terra que foi condenado pela Comissão Interestelar Das Pequenas Causas Desimportantes E Muito Burocráticas a passar o resto da eternidade levando os seres humanos de um lado para o outro das grandes cidades justamente por terem desafiado as leis promulgadas pela famosa Física, aquela CDF briguenta e ranzinza que sempre se achou a Rainha da Cocada Preta só porque conseguia explicar coisas que mais ninguém conseguia.

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– Garçom, desce mais uma gelada, aí, que a autora deste blog tá realmente precisando.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Sobre Pensamentos Livres e Ideias Intraduzíveis


Um mundo de ideias passeava pelo meu cérebro.

Pensamentos dançantes saracoteavam sem pudores por todos os lados, despidos de toda e qualquer regra gramatical ou coerência verbal.

Eram simples ideias existindo, pulsando, dançando a Macarena.

Pensamentos intraduzíveis vestidos de piratas jogando dominó.

Pensamentos apalavreados bebendo Dinamites Pangalácticas e cantando Roberto Carlos.

Pensamentos livres.

Pensamentos pura e simplesmente livres.

Tive então a ousadia de sentar-me à frente do computador para escrevê-los.

Forcei-os a parar, enfileirei-os, etiquetei-os.

Tentei persuadi-los a se submeterem à gramática, às letras, às palavras.

Mas eles eram livres.

Eram meus pensamentos livres e minhas ideias intraduzíveis.

Se os explicasse e os transformasse em palavras eles não mais seriam meus, não mais seriam livres.

Acabariam por se tornar apenas outra idéia jogada na prateleira do supermercado de ideias, comum, barata e empoeirada.

Não teriam mais a menor graça!

Resolvi então deixar que eles continuassem a fazer o que quer que um pensamento livre gosta de fazer com uma ideia intraduzível altas horas da madrugada e ir procurar por vida inteligente na mancha verde de mofo que surgiu no pedaço de pizza esquecido na geladeira desde o mês passado.

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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Era uma vez #7

Era uma vez um texugo voador.
Um dia, disseram-lhe que texugos não voavam e ele se estatelou dolorosamente no chão.
Fim.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Da Gaveta Do Meu Cérebro

Certa vez, eu abri uma gaveta do meu cérebro e de dentro dela pulou um gato listrado de óculos escuros que fumava um charuto cubano.

Ele olhou para mim com seus olhos que mudavam de cor e disse:

“Ande sempre com a chave! Nunca se sabe quando será preciso trancar a porta.”

Foi então que tudo finalmente fez sentido pra mim: um arco-íris desbotado brilhou num céu de caleidoscópio e eu pude ouvir as guitarras distorcidas dos guardiões de um paraíso que não existe.

Mas aí, no segundo seguinte, quando o silêncio imperou, o tudo se fez nada; o gato sumiu numa nuvem de fumaça e o sentido de todas as coisas do mundo fugiu de mim como as areias de uma ampulheta quebrada.

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E, aqui, eu representando esta psicodelia
porque, bem, eu adoro pagar mico.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Uma terça-feira num bar


Na mesa do bar, em meio a garrafas vazias e cigarros apagados, a moça de cabelos claros fitava o vazio.

A névoa ambiente embaçava as figuras já meio desfiguradas que pulsavam à sua volta: sorrisos sem rosto, vozes sem boca, mãos sem corpo.

Pensamentos sem mente.

Piscando os olhos negros muito maquilados, a moça bebeu mais um gole de cerveja.

Já havia passado da conta, ela sabia; mas pequenas porções de melancolia etílica ajudavam-na a persistir.

A sentir.

Sentira-se entorpecida a vida toda, de qualquer forma.

Sóbria, o desequilíbrio e a contradição eram constantes, incontroláveis.

Entorpecer-se com substâncias manipuladas ao menos fazia com que recuperasse o controle da situação:

Sabia exatamente quantos copos precisava para alcançar determinado ponto de insanidade  no cotidiano, porém, não contava com qualquer tipo de medição.

Era por isso que estava onde estava.

No bar.

Em plena terça-feira.

Custava-lhe, no dia-a-dia, adequar-se ao sistema da vida que lhe fora imposta sem que ninguém lhe perguntasse se estava de acordo ou não.

Era-lhe penoso tentar se enquadrar ao que o mundo queria que ela fosse quando nem ela mesma era capaz de saber quem queria ser.

Passou a mão repleta de anéis nos cabelos e permitiu-se acender um último cigarro.

Acendeu um último suspiro.

– No fim, tanto faz – disse ela, entre anéis de fumaça – Algumas vezes, voar é só uma questão de errar o chão.


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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Compartilhamento Aleatório Do Dia #1

Esta noite sonhei que era Jon Snow, personagem da série Crônicas de Gelo e Fogo, e entrava na cabana de um selvagem. Ele tinha linho nas janelas, e isso significava que o Inverno realmente chegara.


Aí a Xuxa morena apareceu e me roubou um potinho para guardar lentes de contato.

Eu pensei:

"Como é possível que eu use lentes de contato num tempo-espaço em que as pessoas ainda jogam baldes de merda pelas janelas?"

E depois:

"Será que o motivo da Xuxa ter ficado morena foi o fato dela passar debaixo de uma janela justamente no momento em que os donos da casa limpavam seus baldes?"


E acordei.
Fim.

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sábado, 8 de setembro de 2012

Considerações #4: Observâncias

Ao observarmos a imensidão negra do céu, à noite, vemos nada mais, nada menos, do que pálidos reflexos do fogo de titânicas constelações, muitas delas extintas há milênios.

Ao observarmos o espelho...

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O que você vê?

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Era uma vez #6

Era uma vez um sorvete de limão.
Um dia, ele foi esquecido fora do freezer e derreteu.
Fim.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Entrepost de Segunda

Há um número considerável de visitantes deste blog que aqui aporta procurando em ferramentas de busca por duendes, gnomos e cogumelos.

Leitores psicodélicos, um beijo para vocês, seus lindos.

Que o Fabuloso Mago Rîvh von Tröpp, da Ordem Gnomítica Mágica Nº 42, e sua Primeira-Aprendiz Esthël Syndara, Aquela Que Vê, iluminem seus passos no caminho caleidoscópico da vida e nunca permitam que lhes falte arte, amor e diversão durante todo o percurso desta grande estrada de tijolos amarelos.

Mago Rîvh von Tröpp e sua Primeira-Aprendiz Esthël Syndara
desejando-lhes bons votos psicodélicos e
caleidoscópicos de boa-ventura.

Fiquem em paz \\//,

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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Não Tenho Tempo!


Nascimento prematuro.
Escola, inglês, informática.
Casa.
Jantar, estudar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para ser um adulto bem sucedido.

Juventude.
Faculdade, livros, estágios.
Casa.
Jantar, estudar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para arranjar um bom emprego.

Vida adulta.
Trabalho, carreira, escritórios.
Casa.
Jantar, trabalhar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para ganhar cada vez mais dinheiro.

Café, olheiras, papéis.
Contas, contas, contas.
Trânsito, estresse, irritação.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.

Família? - Não tenho tempo!
Amigos? - Não tenho tempo!
Namorada? - Não tenho tempo!

Estou atrasado, está tarde, preciso correr!

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Velhice.
Solidão.
Morte.

Não deu tempo.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tique-taques


Tiquetaque-tiquetaque-tiquetaque.

Tiquetaqueamos
Tiquetaqueando
Tique-taques
Que tiquetaqueiam.

Tiquetaqueemos, pois.

Tique.
Taque.
Tiquetaque.
Tiquetaque-tiquetaque-tiquetaque.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Futuro


Ah, Futuro!

Por que me olhas assim, meio de lado, com tal sorriso enigmático?

Por que me abres a cortina do Destino por meio segundo e foges em seguida, rindo histericamente este riso gelado acompanhado de teu sempre focado cavalo alado?

Não, não te quero conhecer, Futuro.
Já te disse. Não quero.

Não me venhas com estas brincadeiras fugidias.
Não me cortejes como a uma rameira do século dezenove.
Não me ofereças vinho barato nem me tires para uma dança com ratos engravatados.

Deixa-me, Futuro.
Deixa-me só.
Deixa-me apenas terminar tranquilamente meu último cigarro e beber em paz o meu último gole de uísque.

...

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Beû-deh-råanismo

Rito de celebração do culto à Bhrëdjah.

Beû-deh-råanismo (do embriaguês tradicional Beû-deh-råa, estado de consciência alterado em conexão com o divino) é uma religião filosófica mono-politeísta fundamentada na concepção do Carpe Diem cujas crenças e rituais comportamentais baseiam-se nos ensinamentos meditados pelo monge filósofo Bottkho Bähr.

Bottkho Bähr, organizador dos fundamentos beû-deh-råasiviveu e desenvolveu seus mandamentos durante o período medieval em um mosteiro na atual Alemanha.
Bähr afirmava ter recebido um chamado divino de Bhrëdjah, a Grande Deusa de Älkholl, durante um transe que lhe foi por ela mandado enquanto confraternizava em uma taverna da região. Em sua demanda, a divindade instruía-o a pregar a Beû-deh-råa como uma religião de fraternidade, amor, confraternização e, por quê não?, diversão.
O monge levou o chamado da divina Bhrëdjah muito a sério, dedicando toda a sua vida à pesquisa dos conceitos beû-deh-råasi, à criação de rituais de aproximação com o divino e à arrecadação de fiéis para seu recém-fundado culto.
Morreu cedo, porém, de alguma doença desconhecida no fígado.

Deuses e crenças
De acordo com a religião beû-dheh-råasi, no princípio do Universo havia apenas uma imensa poça de líquido transparente e inebriante. A partir dela, a fim de exaltar Toda A Sua Grandeza Infinita e Todo O Seu Poder Universal, a Prima-Entidade Älkhoollikha fez com que surgissem as chamadas Divindades Primordiais Menores, personificando as principais facetas de sua personalidade um tanto quanto esquizofrênica.

Entre inúmeras outras, as Principais Divindades Primordiais Menores Surgidas Da Poça Inebriante Primordial Pela Palavra Da Prima-Entidade Älkhoollikhan são:

Bhrëdjah, a Grande Deusa, a primeira entre os primeiros.
Cultuada de diversas formas por diversas populações de países bem diversos como Brasil e Alemanha.

Wynnhö, o Grande Deus, o sangue de todos os sangues.
Sua versão popular é muito celebrada por adolescentes, mas seu culto mais reconhecido ocorre no Porto, em Portugal.

Uyhskyii, deus do poder, do dinheiro e das coisas materiais.
Muito invocado pela alta burguesia, alta aristocracia e alta hipocrisia.

Rwuhn, deus das viagens, dos mares e oceanos.
Celebrado especialmente por mercadores marítimos, corsários e bucaneiros.

Phyng-aäh, deusa da agricultura, do campo e das coisas simples da vida. À época da colonização brasileira, era também padroeira dos escravos.

Wvodhkcå, deusa do frio, do inverno e da neve.
Cultuada na sua forma mais pura nas regiões geladas da Rússia.

Llyckhôur, deus da espirituosidade, da elegância e da doçura da vida.
Muito celebrado pela nobreza.

Âbbsy-nntoh, deus do submundo e das alegorias psicodélicas.
Apreciado por alguns e temido por muitos.

Cultos
Os cultos beû-dheh-råasi são reconhecidos mundialmente pela sua descontração, sociabilização e interação.
A frequência com que costumam acontecer depende muito do quão devoto é o fiel que o organiza, variando de uma a sete vezes por semana.

Durante as celebrações, costuma-se ingerir uma determinada quantidade de poção inebriante que ativa a capacidade dos devotos de se comunicarem com as essências da personalidade da Prima-Entidade Älkhoollikha .
Para cada uma das Principais Divindades Primordiais Menores Surgidas Da Poça Inebriante Primordial Pela Palavra Da Prima-Entidade Älkhoollikha que se queira celebrar há um líquido específico diferente que deve ser consumido durante o ritual a fim de alcançar o nirvana e cultuar as altas concepções filosóficas desta antiga religião.

Os principais rituais de adoração podem ser divididos nas categorias Doméstico ou Bährístico.
Os ritos domésticos são celebrados por grupos de conhecidos em seus próprios domicílios, sem necessidade de mediação sacerdotal para a ingestão do líquido sagrado e para o encontro com o divino.
Os ritos bährísticos (em alguns locais também conhecidos como bottkhísticos) são realizados em templos especializados e mediados pelos sacerdotes Gharrssönns, responsáveis por oferecer aos fiéis a poção sagrada de culto.
Há, também, os rituais público-praçais, muito praticados por adolescentes residentes em pequenas cidades interioranas e devotos que sofrem de falta de riqueza crônica, nos quais as rodas de fiéis encontram-se nas praças da cidade e ali mesmo celebram o divino abertamente.

Obs. I: O Líquido Sagrado Da Vida, ou Poção Inebriante De Culto, ou Venerável Bebida Älkhoollikha, se ingerida em excesso, pode ocasionar náuseas, apagões mentais e vergonha moral em nível extremo.

Obs. II: É terminantemente proibido o manejo de automóveis, máquinas pesadas e torradeiras elétricas durante ou após cada um dos cultos.

Obs. III: Hoje é sexta-feira. VAMUBEBÊ!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Menina Sem Rosto


Acordou um dia e não sabia mais quem era ou o quê diabos estava fazendo ali. Sua máscara havia caído e ela não possuía mais um rosto.

Olhou-se no espelho e não se reconheceu: quem seria aquela essência quase em branco que a observava estranhamente com um sorriso irônico nos olhos castanhos?

"Eu" pensou, respirando profundamente. "Finalmente eu."

Redescobrindo a si mesma em cada passo, pegou a máscara que havia-se descolado e guardou-a em uma caixa de sapatos.

Saiu à rua em seguida, ainda sem rosto, ainda sem encosto, ainda sem direção.
(Saiu à rua da forma como sempre quis.)

Os seres mascarados enfileirados nos passeios urbanos não entenderam, apontaram-na, fizeram-lhe caretas, disseram-lhe impropérios.

Ela nem se importou.

No meio da massa dissimulada, era a única que podia ter quantos rostos quisesse.

...

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Rotina

Cheguei em casa por estes dias e lá estava ela.

Entrou sem pedir licença, sentou-se pesadamente em minha poltrona cor-de-abóbora e acendeu um charuto.

Muito séria e muito sóbria, com sua gravata cor de areia e seu terno de risca de giz muito bem alinhado, observou-me inexpressiva enquanto baforava sua fumaça sem cor.

Era a Rotina, pomposa funcionária pública burocrata, ocupando um espaço que não lhe foi oferecido e pedindo-me gentilmente que lhe oferecesse uma xícara de café descafeinado e sem açúcar.

Tentei persuadi-la educadamente a se levantar, tentei arrancá-la dos meus dias à força.

Nada adiantou.

Lá está ela, ainda, comportadamente sentada em meu sofá psicodélico, fumando charutos sem sabor e remexendo papéis impecavelmente brancos.

Vez ou outra inicia uma quase conversa acerca do clima ou da peculiar situação de se esperar elevadores em companhia de desconhecidos.

Não parece querer se levantar tão cedo.

(Para meu desespero.)

...

sábado, 18 de agosto de 2012

O Segredo Do Cobrador

(Conto originalmente publicado no meu antigo blog Ideias Mirabolantes. Resolvi republicá-lo aqui porque este é, de longe, um dos meus escritos preferidos e, por isso, não merece ser deixado ignorado e longe de seus irmãozinhos em um endereço eletrônico que ninguém mais acessa.)


***

O despertador tocou. Josimar abriu com dificuldade seus olhos verde escuros e tentou focalizar os ponteiros luminosos do seu rádio-relógio. Quatro e quinze da manhã. Hora de levantar, colocar o uniforme, comer os farelos do jantar e ir para o trabalho.

Josimar era cobrador de ônibus há uns oito anos, e era só. Todos os dias, de domingo a quinta, acordava antes das cinco horas da manhã, chegava cedo no trabalho, distribuía pequenas doses de automáticos “bom-dias” aos colegas de trabalho e às pessoas sem rosto que entravam e saíam de seu ônibus durante o dia, voltava para o apartamento na periferia que herdara dos pais no final da tarde, assistia a novela das oito que começava às nove na pequena televisão de quatorze polegadas, jantava qualquer coisa congelada e ia dormir antes das onze. De domingo a quinta Josimar simplesmente existia, fazendo exatamente tudo o que pelos outros era esperado que fizesse: Josimar, o que nunca se atrasa; Josimar, o que nunca erra no troco; Josimar, o Funcionário do Mês.

Ele levantou-se preguiçosamente e vestiu a camisa azul clara, a calça jeans surrada e os All Star vermelhos. Sim, hoje era dia de usar aqueles tênis vermelhos. Hoje não era um domingo ou uma quinta-feira qualquer, era sexta. Ah, a tão esperada sexta-feira. O dia em que Josimar finalmente poderia ser ele mesmo.

Passou um café fraco, comeu um pedaço de um pão doce que encontrara no armário e saiu, assoviando, para trabalhar. Até os seus “bom dias” ficavam menos automáticos às sextas-feiras. Talvez fosse coisa dos tênis vermelhos, diziam alguns de seus colegas. Talvez fosse a mágica psicológica das sextas-feiras, diziam outros. O fato era que até mesmo o dia de trabalho passava mais rápido para Josimar às sextas-feiras.

Era fim de tarde, já, e Josimar caminhava alegremente de volta para seu apartamento. Olhou em seu relógio de pulso, seis horas. Ele tinha exatas três horas para fazer tudo o que precisava ser feito para seu compromisso da noite. Dessa vez teria carona, graças a Deus, e não precisaria fazer tudo correndo. Hoje ele teria todo o tempo do mundo para se preparar.

Chegou em casa, tomou um demorado banho e, ainda de toalha, abriu aquela parte do armário que só era aberta naquele dia da semana. Destrancou as gavetas vagarosamente, como sempre fazia, curtindo cada momento, e puxou-as para si.

Depois de quase duas hora de indecisão, finalmente conseguiu escolher uma roupa que achou servir direitinho para aquela ocasião. Agora faltavam apenas os retoques finais na aparência e em alguns minutos já estava pronto.

Olhou-se no espelho e sorriu. Sim, aquele, sim, era seu eu verdadeiro. O vestido alaranjado, com detalhes em magenta cintilante e cheio de lantejoulas caía-lhe muito bem nas costas, alongando sua silhueta e dando-lhe um ar meio vintage. A maquilagem colorida em seus olhos verdes ressaltava seu olhar, propiciando-lhe sensualidade e mistério. E a peruca, ah!, como gostava daquele cabelo acobreado caindo em cachos pelos seus ombros! E os garotos da boate, lembrou-se com um sorrisinho, aqueles com certeza também gostavam.

O interfone tocou; sua carona chegara. E, finalmente, depois de seis dias sendo exatamente quem queriam que ele fosse, ele poderia ser, durante toda a madrugada daquela sexta-feira, quem ele realmente era. Deixava, então, de ser simplesmente Josimar Guimarães dos Santos Silva, cobrador de ônibus e funcionário do mês, para ser Lady Katrynna Glamourosa, a estrela de dança sensual por quem os garotões sempre se apaixonavam da boate drag Rainha da Cidade Pink.

...

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A Criação


No princípio, era a Água.

Não havia sensação alguma.

Apenas Água.

Aos poucos, formou-se no horizonte um pequeno ponto brilhante.

Não que aquele fosse, realmente, o Horizonte, ou que o pequeno ponto brilhante fosse, exatamente, um Pequeno Ponto Brilhante.

Mas era alguma coisa; alguma coisa que abalava a estaticidade entediada da Água.

E aumentava.

Cada vez maior, cada vez mais brilhante.

Cada vez mais perto.

Um som surdo, absurdamente alto e quase que completamente imperceptível, começou a tomar forma.

Era o Som do Silêncio.

O Som do Silêncio Vivo.

A Água agitava-se.

Tons de azul e violeta tomavam lugar na transparência das bolhas que se formavam.

Um frio metálico foi sentido por alguma coisa inominável: a Água passava, então, a sentir.

O que antes era um pequeno ponto brilhante agora já se tornara uma imensa e ofuscante bola de luz branca.

Foi então que aconteceu.

A imensa e ofuscante bola de luz branca chocou-se estrondosamente com a Água.

E, da explosão de cores e sons jamais imaginados e nunca mais vistos causada por tal impacto, surgiu, aleatoriamente e de nenhum lugar em específico, tudo aquilo que nos acostumamos hoje em dia a chamar de Vida, Universo e Tudo o Mais.

...

(Inspirado em uma pseudo-regressão empreendida por esta que vos escreve durante algo como uma amostra grátis de um curso de "auto-conhecimento" caríssimo onde se abduzem pessoas e comem-se seus cérebros)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Era uma vez #5

Era uma vez uma metade de laranja.
Um dia, ela descobriu que era na verdade uma laranja inteira e resolveu sair para fazer algumas laranjadas.
Fim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Epifania Paulistana



Uma tarde, uma cidade, um bairro, uma rua.

Gente, fumaça, barulho, carros, ônibus, caminhões, prédios, pontes, aviões, muro.

Pessoas cabisbaixas isoladas em seus mundos particulares, passadas apreensivas, apressadas; caminhantes tristes, bravos, tímidos, atrasados.

Tudo correndo, correndo, correndo.

Uma escadaria suja, poças líquidas de procedência desconhecida, alguma palavra ilegível pintada na parede.

Cinza, chumbo, asfalto, branco, preto, marrom, amarelado, esverdeado, desbotado, cor-de-rosa-choque.

Cor-de-rosa-choque?

Flores cor-de-rosa chapadas num céu incolor, emolduradas por estruturas acinzentadas, seguras por cordas emborrachadas e observadas por mentalidades metálicas.

Durante uma batida de um coração palpitante, uma explosão de cor em meio ao preto-e-branco-e-cinza-e-bege da sobriedade calculada de uma megalópole super-povoada.

Uma visão única, anormalmente perfeita e perfeitamente anormal, muito movimentada e completamente parada, destoante, deslumbrante, desoladoramente fugaz.

...

Aos olhos dos transeuntes apressados, porém, a epifania caleidoscópica não passava, apenas, de mais um ipê cor-de-rosa florescendo em meio aos prédios e carros e compromissos atrasados da imensidão cinzenta e sempre enlouquecida da minha querida e Desvairada Paulicéia.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Pensamentos Aleatórios Fixados Com Super Bonder

Olha, eu sinceramente não sei.
O quê?, não sei.
Por quê?, não sei.
Simplesmente, eu não sei.

Pobres seres humanos limitados e egocêntricos.
Vosso desejo é verdadeiramente real ou o que vos moveis é justamente a busca por um objetivo ideal?

Oh, céus.
Réus.
Créus!

Seguramente a razão deveria ser dada àqueles que não têm razão.
Sim, pois aqueles que já possuem razão não precisariam de mais razão, concorda?
Ou sem corda?
Acorda!

Paralelepípedo, inconstitucionalissimamente, transatlântico, energúmeno, fanfarronice, ecleticamente, ignóbil, parapsicologia.

Nexo, anexo, sem nexo!
Sexo?

...

Algumas vezes, elevadores são apenas escadarias que subiram de nível.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Considerações #3: (Sem) Sentido

Uma palavra qualquer, quando repetida por muitas vezes, perde todo o sentido.

Sentindo o sentir do sentimento sentido, sinto o que sinto sentindo o sentir do próprio sentimento sentido quando é sentido por apenas sentir.

O sentido, quando sentido repetidas vezes para que se sinta o próprio sentido do sentir, também perde todo o sentido.

...

Sentiu?

terça-feira, 31 de julho de 2012

Os Duendes Da Lua, Capítulo III - A Reconciliação

(Primeira parte AQUI e segunda parte AQUI)

Seres Mágicos Primordiais festejando a vitória épica contra os Terríveis
Goblins Ûhrks segundo VISHMARIAH, José Saltimbanco em Breve, ou
nem tanto assim, História das Eras Duendes
- Ed. Nonsëhnse,
Porão Vermelho, 1999 E. H.

Durante a tenebrosa Awû Oöhkumm, ou Era Sombria, Ròhlumm Abdä, Primeiro Goblin Ûhrk, então Imperador Único E Todo Poderoso De Todas As Terras Outrora Pertencentes À Grande Fÿhllirën Em Nome Dos Goblins Oprimidos E Vilipendiados, governava com mão de escamas a maior parte das terras dos antigos povos mágicos primordiais.

Com suas palavras mais doces do que doce de batata doce e seu olhar mais hipnótico do que espirais pretas-e-brancas girando ininterruptamente, o famigerado goblin, após conseguir bravamente que os únicos seres que seriam realmente páreo para ele próprio fossem exilados em outro mundo, conquistou facilmente todos os reinos mágicos mais importantes e submeteu-os à sua ditadura de terror[1].

Enquanto isso, os decadentes duendes da extinta Grande Fÿhllirën, banidos por tempo indeterminado no Satélite Que Refletia A Luz Branca Da Estrela Amarela, ainda abatiam-se uns aos outros desesperadamente no que foi chamada de Sangrenta E Completamente Inútil Guerra Entre Os Dois Clãs.

Por três primaveras lunares o fratricídio durou, até o dia em que os líderes mais sensatos dos Rödhån e dos Köhkånn, durante um embate particularmente ardente em terreno pedregoso, decidiram, em uma epifania propiciada pelo aroma inebriante de algumas ervas presentes no local e queimadas durante a batalha, que talvez fosse melhor - para que não acabassem se tornando os últimos seres de sua própria espécie - resolver as diferenças entre os clãs jogando uma bela partida de bocha[2].

No dia seguinte, quando os duendes Rödhån venceram disputadamente a tal partida, ficou acordado entre os membros de cada um dos dois clãs que todas as terras pertencentes à zona iluminada do satélite seriam de domínio da facção vencedora, enquanto aquelas situadas na zona sombria passariam a pertencer aos Köhkånn.

A Guerra Do Satélite Que Refletia A Luz Branca Da Estrela Amarela finalmente acabara e os Duendes da Lua puderam, enfim, voltar a viver em paz e harmonia uns com os outros.

Na Terra, porém, nada havia mudado. O terrivel Ròhlumm Abdä ainda conservava todo o poderio mágico dos reinos ocidentais e proibia qualquer ser místico de assobiar músicas melodiosas, pular em um pé só ou usar biquínis de bolinhas amarelas.

E desta forma foi por pelo menos mais duas primaveras, até o dia que ficou conhecido como O Dia Em Que Os Espíritos Finalmente Tiraram Suas Bundas Gordas Dos Seus Sofás E Resolveram Fazer Alguma Coisa, quando as Vozes de Energia e os Deuses Telúricos juntaram-se para pedir ajuda aos únicos seres que poderiam de alguma forma derrotar Ròhlumm Abdä e seus mal-cheirosos goblins Ûhrks: os Fÿhllum Röåkhm, ou Duendes da Lua[3].

Com promessas de mundos e fundos, os Espíritos da Terra imploraram aos duendes exilados que intervissem com sua sabedoria milenar naquela horrenda guerra que consumia por completo o pobre planeta Terra.

- Ah, mas não são vocês os tão famosos Espíritos da Terra, autoridades máximas em matéria de magia, energia e arrogância? O que aconteceu com toda aquela prepotência mística, heim? Não conseguem derrotar sozinhos uma merda de um goblin escamoso e fedorento? - perguntou Cëdrykh Munn, O Revoltado, ancião mais velho do Conselho Rödhån e um dos muitos duendes que ainda guardava na memória a vergonha da proscrição.

- Estamos fracos, nobre Cëdrykh. Ròhlumm destruiu nossos bosques sagrados e ergueu templos em nome de seus deuses em seus lugares. A maioria dos Seres Mágicos Primordiais sob influência goblin adora, agora, as Entidades Dos Pântanos Enlameados. Nós fomos deixados de lado.

- Bem-feito para vocês.

- Precisamos de ajuda. A Terra foi lar de vocês um dia, não podem deixá-la perecer desta forma. Em nome dos Dourados Dias Antigos, da Era Colorida Da Harmonia, do Período Em Que Todos Se Amavam, da...

- Puta-que-o-pariu? - cuspiu Cëdrykh.

- Acalme-se, Cëdrikh - interviu Allÿsha Ökhw, governante dos Köhkånn, conhecida nacionalmente pelo poder da diplomacia - Talvez nós possamos ajudar, sim - continuou, dirigindo-se aos Espíritos da Terra - Mas queremos algo em troca. A dor do exílio ainda pulsa nos corações de muitos de nós.

- Sim, obviamente - responderam as Vozes Telúricas e os Espíritos de Energia - Poderão voltar a viver na Terra assim que tudo terminar.

- Voltar para a Terra? Depois de tudo o que fizemos para tornar este lugar horroroso habitável? - desdenhou Cëdrykh - Que tipo de oferta é essa, pelo amor da Entidade Criativa Que Ficou Entediada E Resolveu Criar Coisas Bacanas Do Nada Para Passar O Tempo!

- Terão seus poderes triplicados, e cada um dos indivíduos dos dois clãs receberá um dom especial relacionado ao território em que hoje vivem neste satélite. Terão, ainda, imunidade contra qualquer acusação divina pelo período de cinco anos e permissão para perambular entre as dimensões de tempo e espaço gratuitamente.

- Não vejo nenhuma vantagem em tanto blábláblá burocrático.

- Poderão, também, ter acesso a todo o estoque mundial dos Chocolates Divinos Outrora Reservados Apenas Às Entidades Etéreas.

- Inclusive os meio-amargos com pedacinhos de banana caramelada?

- Inclusive os meio-amargos com pedacinhos de banana caramelada. Fechado?

- Fechado! [4]

Os Fÿhllum Röåkhm formaram, então, um numeroso exército duêndico e teletransportaram-se para a Terra no dia do Solstício de Inverno, enquanto as Vozes Telúricas e os Deuses de Energia depositavam, não sem pesar, em solo lunar, todo o delicioso estoque de Chocolates Divinos Outrora Reservados Apenas Às Entidades Etéreas.

Uma sangrenta peleja épica ocorreu naquele dia, posteriormente conhecida como Peleja Épica E Sangrenta, e os Goblins Ûhkrs estiveram bem próximos da vitória, não fosse a corajosa duende Rowënna Ezpafdha começar a assobiar a antiga Balada De Galahar durante o anoitecer. Tal feito fez com que Ròhlumm Abdä começasse a ter espasmos alucinados de loucura e deixasse o campo de batalha babando e arrancando os cabelos, sendo seguido rapidamente por toda sua horda de goblins mal-cheirosos. O Primeiro Goblin Ûhkr foi posteriormente julgado pelas Altas Entidades e condenado a passar um ano e um dia assobiando músicas melodiosas enquanto pulava em um pé só vestindo um biquíni de bolinhas amarelas[5].

Com a vitória, os Seres Mágicos Primordiais e os Espíritos da Terra puderam, enfim, voltar a viver pacífica e harmoniosamente no planeta Terra e os Fÿhllum Röåkhm, os Duendes da Lua, recuperaram seu prestígio e poder entre os povos, reassumiram seus cargos no Conselho De Segurança Mágica Inter-Temporal e empanturraram-se enjoativamente com todo o Chocolate Divino Outrora Reservado Apenas Às Entidades Etéreas que suas barrigas puderam aguentar.

...

NOTAS:

[1] PACHECO, Salazar Monteÿn & PORLAHZ, Clarabel Ovídia - A Espécie Vilipendiada: os Goblins Ûhrk e suas contribuições para o Reino Mágico - Editora Nonsëhnse, Porão Vermelho, 2010 E. H.

[2] ARANDHLEENA, Wenceslau - Sangrenta E Completamente Inútil Guerra Entre Os Dois Clãs: Tudo se resolve com uma partida de bocha - Editora Séria, Lago Queimado, 585 N. E.

[3] TITITHU, Balaléa - Espíritos Da Terra: Poderosas Entidades ou Grandes Bundões? - Editora Céltica, Avalon, 1999 E. H.

[4] Diálogo reconstituído a partir de uma sessão espírita mágica inter-temporal presente em DONNAN, Zavier - Fragmentos Espirituais Das Eras Passadas - Editora Obscura, Lado Negro Da Lua, 2011 E. H.

[5] QUEQUHEHISS, Denise Samaritana - Os Assobios Alucinógenos e a Peleja Épica E Sangrenta - Editora Nonsëhnse, Porão Vermelho, 2010 E. H.

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FIM.

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Os Duendes da Lua, Capítulo II - A Grande Migração

(Primeira parte AQUI.)


Aparência Poética De Um Goblin Ûhrk de acordo com
PACHECO, Salazar Monteÿn e PORLAHZ, Clarabel Ovídia.

Ròhlumm Abdä, o Primeiro Goblin Ûhrk, não encontrou dificuldades em aproximar-se de Kashwëhnå, a Estranha. A Rainha Louca postava-se completamente sozinha no alto do Monte Yhr - também chamado de Montículo Onde Os Deuses Cospem Na Cabeça De Seus Fiéis Quando A Nobre Desatinada Entoa Cânticos Alucinados -, vociferando impropérios desesperados em mais um de seus constantes ataques histéricos.

- AHH GRRR OOOOWWWWNNN BRRHHH!!! - bradava a real duenda com os punhos erguidos - BRRRRR VZZZZZZHHH AHHHHHHHHHH!!!

- Rainha Kashwëhnå, divina senhora dos duendes telúricos - chamou Ròhlumm Abdä, em uma charmosa voz, mais doce do que doce de batata doce - Meu nome é Ròhlumm, O Goblin, e fui enviado pelas Divindades Celestiais para aconselhar a Mais Nobre De Todas As Nobres Rainhas Dos Povos Mágicos Primordiais.

- Um Tsoåpêsh!! - gritou a Rainha, arregalando os olhos - Eu não disse? - berrou para alguém que talvez apenas ela própria fosse capaz de enxergar - Esses duendes do Conselho vão ver quem é que é a louca, agora. [1]

De acordo com A Lenda Dos Mil Conselheiros - uma história para crianças muito famosa entre os duendes fÿhllirënianos, que fora inclusive transformada em desenho animado, história em quadrinhos e bonecos articulados -, no Ano Da Grande Navegação, quando Todos Os Problemas Do Universo Deveriam Ser Resolvidos, as Divindades Que Gostam De Controlar As Coisas Por Aqui enviariam à Terra algumas criaturas escolhidas, ou Tsoåpêshes, com o objetivo de aconselhar positivamente os governantes das aglomerações mais influentes entre os Seres Mágicos Primordiais e mostrar o Caminho Único Da Estrada Colorida Para A Verdade Universal[2].

Dizendo-se, assim, um Tsoåpêsh, o maquiavélico goblin Ròhlumm Abdä colocou-se em posição de destaque no Conselho dos Duendes da noite para o dia e utilizou-se de sua forte influência sobre a Rainha Louca para efetivar seu terrível plano de Dominação Goblin de Todas As Terras Mágicas Ocidentais.

Durante aquela primavera, o Primeiro Goblin Ûhrk, com suas palavras revestidas de mel e açúcar, instigou a Rainha Kashwëhnå a fechar as fronteiras de seu reino, impedindo a entrada de qualquer Ser Mágico que não fosse um duende da Grande Fÿhllirën em território fÿhllirëniano, incentivou-a a construir palácios caríssimos e inúteis e destruir, com isso, grande parte das florestas primordiais e aconselhou-a, ainda, a aumentar consideravelmente os impostos sobre o uso da magia e a reprimir qualquer tipo de manifestação contrária por parte do povo[3].

Ao mesmo tempo em que persuadia a rainha a não dar atenção às Vozes Telúricas, aos Deuses de Energia ou a qualquer ser ou entidade que não fosse ele próprio, Ròhlumm Abdä também aproveitava seus poderes hipnóticos para disseminar a discórdia entre o povo duendífico, causando inúmeras querelas entre clãs, desavenças regionais e, até mesmo, sequestros e assassinatos.

A desobediência, por parte dos duendes da Grande Fÿhllirën, das Antigas Leis Mágicas Primordiais - leis estas que, segundo documentos da época[4], seriam regras naturais proferidas pelos próprios Espíritos da Terra e que pregariam, entre outros artigos, a não-agressão a qualquer Ser Mágico Primordial, a proibição de qualquer ato de discriminação por espécie e a influência definitiva dos próprios Espíritos da Terra em qualquer decisão relacionada à situação da vida terrestre - provocou a rápida decadência dos duendes mencionados, com a expulsão dos mesmos do Conselho De Segurança Mágico Inter-Temporal e o pagamento de uma multa de magia exorbitante pelos muitos danos por eles causados às outras espécies primordiais.

O ápice da desestabilização dos duendes do que outrora fora a Grande Fÿhllirën aconteceu no final do verão daquele mesmo ano, quando as disputas fomentadas pelo Primeiro Goblin Ûhrk entre os dois principais clãs fÿhllirënianos, os Rödhån e os Köhkånn, explodiram em uma terrível e sangrenta guerra que dizimou quase dois terços da população duende e desestabilizou o panorama mágico primordial do planeta Terra, fazendo com que os Espíritos da Terra decidissem, por fim, exilar aqueles seres por tempo indeterminado no Satélite Que Refletia A Luz Branca Da Estrela Amarela.

Ròhlumm Abdä conseguira, desta forma, realizar a primeira parte de seu plano ditatorial. Com a desestabilização planetária que se seguiu à Grande Migração Dos Duendes - que desde então passaram a ser chamados de Fÿhllum Röåkhm, ou Duendes da Lua -, declarou-se Imperador Único E Todo-Poderoso De Todas As Terras Outrora Pertencentes À Grande Fÿhllirën Em Nome Dos Goblins Oprimidos E Vilipendiados e deu início ao período a que chamamos de Awû Oöhkumm, ou A Era Sombria[5].

...

NOTAS:

[1] Diálogo reconstituído a partir de uma sessão espírita mágica inter-temporal presente em DONNAN, Zavier - Fragmentos Espirituais Das Eras Passadas - Editora Obscura, Lado Negro Da Lua, 2011 E. H.

[2] LOLLIPOPO, Marieta Emília - Quem Conta Um Conto, Conta Um Duende: Contos e Cantos infantis para se ler antes de dormir - Editora Parquinho Colorido, Öishpallur, 568 N. E.

[3] PACHECO, Salazar Monteÿn & PORLAHZ, Clarabel Ovídia - A Espécie Vilipendiada: os Goblins Ûhrk e suas contribuições para o Reino Mágico - Editora Nonsëhnse, Porão Vermelho, 2010 E. H.

[4] DENDORIAN, Gimena Venceslau (org.) - A Estranha Coroada: Compilação de Manuscritos Fÿhllirënianos Da Era Migratória - Ed. Luneta Verde, Bosque Dos Gnomos Cor-de-Abóbora, 666 N. E.

[5] VISHMARIAH, José Saltimbanco - Breve, ou nem tanto assim, História das Eras Duendes - Ed. Nonsëhnse, Porão Vermelho, 1999 E. H.

...

(Continua AQUI)

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Os Duendes da Lua, Capítulo I: O Início

Espécies Mágicas dos Primórdios da Criação entrando em
contato com as Energias Telúricas durante um Conselho de
Segurança Mágica Inter-Temporal.

Nos primórdios da Criação do Universo, quando a Entidade Criativa Que Ficou Entediada E Resolveu Criar Coisas Bacanas Do Nada Para Passar O Tempo tomava uma xícara de chá gelado com dois cubinhos de açúcar para descansar do Grande Feito Grandioso De Todos Os Feitos, algumas gotas de seu chá divino caíram no planeta que hoje nos acostumamos a chamar de Terra, dando origem às famosas, ou nem tanto assim, Espécies Mágicas Dos Primórdios Da Criação.

De todos os seres pertencentes às Espécies Mágicas Dos Primórdios Da Criação, os mais poderosos eram, sem dúvida, os Duendes da Grande Fÿhllirën e seus charmosos cachos nas orelhas. Esta população vivia calmamente nos bosques temperados da atual Irlanda e possuía o dom de conectar-se intimamente com as Energias Telúricas.

Uma vez que os Espíritos da Terra eram os responsáveis por todo o ciclo de vida do planeta - e, se ficassem entediados ou insatisfeitos poderiam resolver causar um terremoto ou confundir as estações do ano só para se divertirem -, o dom dos simpáticos duendes era de extrema importância durante aquele período. Não era apenas devido aos garbosos cachos que saíam de suas orelhas que aqueles possuíam os mais altos cargos do Conselho De Segurança Mágica Inter-Temporal.

O Conselho de Segurança Mágica Inter-Temporal [CSMIT] era uma organização das Espécies Mágicas Dos Primórdios Da Criação que visava a segurança de todos os Seres Mágicos que vivessem no Planeta Terra ou nas proximidades dele, independentemente de qual Era pertencessem. Nele, discutiam-se projetos sobre os Meios de Transporte Mágico, a Ética do Poder Telepático, a Necessidade De Se Criar Regras Para Os Vôos Noturnos, entre muitos outros, enquanto jogavam bocha e bebiam frappuccinos alcoólicos.[1]

Por três Eras tudo correu na mais perfeita e maçante tranquilidade, até que Kashwëhnå, A Estranha, tornou-se rainha do povo da Grande Fÿhllirën. Documentos encontrados relatam que esta era a duende mais bela e mais charmosa da qual se tem conhecimento, com a pele muito alva, sardas púrpuras nas bochechas e cachos cor-de-abóbora cintilantes saindo das orelhas. Tais documentos nos dizem, ainda, que Kashwëhnå dizia ter tido relações sexuais com a Entidade Criativa Que Ficou Entediada E Resolveu Criar Coisas Bacanas Do Nada Para Passar O Tempo, falava sozinha, tinha visões apocalípticas e babava.
(Dizem também que sua baba era púrpuro-berrante e possuía poderes curativos, mas poucos aventuravam-se a ingerir tal pasta).[2]

A Grande Mudança se deu em um Equinócio de Primavera, quando, durante uma comemoração de mais uma crise histérica e alucinada da Rainha Kashwëhnå, surgiu no horizonte a figura pequena e bizarra de Ròhlumm Abdä, o Primeiro Goblin Ûhrk.

Os Goblins Ûhrk, de acordo com pesquisas recentes [3], foram possivelmente os frutos de cruzamentos incrivelmente férteis dos seres mutantes da antiga raça dos Thünnh Åhmee, os Primeiros Anões, com os exemplares da espécie Qözkåc Yuhmeë, os Seres Reptilianos. Tais Goblins possuíam uma pele escamosa de coloração mutável, dedos longos com unhas afiadas e olhos grandes e amarelos. Da antiga e bela raça dos Thünnh Åhmee sobrara apenas as cintilantes barbas encaracoladas. O principal poder dos Goblins Ûhrk era sua voz macia e venenosa que hipnotizava qualquer ser que tivesse ouvidos para suas palavras.

Ròhlumm Abdä, O Primeiro Goblin Ûhrk, tinha em mente um plano diabólico quando despontou no Reino Da Grande Fÿhllirën: Desestabilizar os poderosos duendes, fazê-los perderem seus poderes telúricos, destituí-los dos cargos que ocupavam no CSMIT e instaurar uma Ditadura Diabólica Em Favor dos Goblins Ûhrk.

E foi justamente com esta intenção que o persuasivo serzinho foi procurar pela Rainha Kashwëhnå, a Estranha.

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NOTAS:

[1] YOHLËG, Stephan Zinngner - CSMIT: Conselho de Segurança Mágica Inter-Temporal ou Apenas Mais Um Clube De Bocha? - Ed. BoaVentura, Zona Escura Da Lua, 252 N. E.

[2] DENDORIAN, Gimena Venceslau (org.) - A Estranha Coroada: Compilação de Manuscritos Fÿhllirënianos Da Era Migratória - Ed. Luneta Verde, Bosque Dos Gnomos Cor-de-Abóbora, 666 N. E.

[3] PACHECO, Salazar Monteÿn & PORLAHZ, Clarabel Ovídia - A Espécie Vilipendiada: os Goblins Ûhrk e suas contribuições para o Reino Mágico - Editora Nonsëhnse, Porão Vermelho, 2010 E. H.

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(Continua AQUI)

sábado, 21 de julho de 2012

Augusta rua Augusta

Augusta rua Augusta

Dos jardins às praças
Abrigando
Comunistas e reaças
Amando
Amores e ameaças.

Augusta rua Augusta

Dos travestis e dos puteiros
Embriagando
Gerentes e porteiros
Transformando
Calçadas em braseiros.

Augusta rua Augusta

Dos cinemas e botecos
Comungando
Pedreiros e arquitetos
Reclamando
Diversidade a céu aberto.

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Augusta rua Augusta:
Ferida aberta e não-plana da cidade que não dorme - e não ama.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Uma Conversa Qualquer Comigo Mesma


- Oi.

- E aí?

- Faz tempo que a gente não conversa, né?

- É. Culpa sua. Eu estou sempre por aqui.

- Eu sei. Eu é que muitas vezes não estou.

- Está, sim. Só não percebe. Hoje, você percebeu.

- Percebi. E demais. O grito ainda me está sufocado na garganta.

- É melhor não deixá-lo sair.

- É um sentir como se sentisse todas as coisas do mundo, sabe? Como se por alguns instantes eu me visse amarrada ao Vórtex da Percepção Profunda e à noção do infinito, da verdade absoluta e de toda a minha insignificância diante disso tudo me fosse revelada.

- Sua carta é a da Lua. Sua função é sentir.

- Mas também é pensar.

- É pensar no sentir e sentir no pensar. Daí a originalidade. Daí a contradição.

- Mas eu não quero mais jogar esse jogo de oposições . É dolorido. É trabalhoso. É inútil! Até que ponto isso tudo o que racionalizo sentindo e sinto racionalizando não passa da minha imaginação? Você é apenas a minha imaginação. O que disso tudo seria real, então? O que não seria? O que seria, de fato, o real, se não mera percepção individual ou pura alucinação coletiva?

- Você realmente acha que esses pensamentos vão te levar a alguma conclusão?

- Não, não vão! Mas o que posso fazer, se sinto e penso e sinto o que penso e penso no que sinto dessa forma tão ridiculamente adolescente e ultra-romântica?

- O melhor, por ora, é seguir o fluxo do rio e procurar não se enroscar nas raízes à margem.

- Isso é tudo o que tem pra me dizer?

- O que você acha?

- Desanimador. Esperava mais de você.

- Você faz esse discurso dramático todo como se não sentisse, lá no fundo, um júbilo melancólico e doce, agudo e doentio, enquanto mergulha neste turbilhão de emoções e racionalizações.

- Ah, puxa. Você sabe como me convencer.

- Conheço-lhe melhor do que você mesma.

- Sendo meu subconsciente, eu não esperava menos.

- Desta forma, que tal uma bela bebedeira?

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:P

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Era uma vez #4

Era uma vez uma bala de iogurte.
Um dia, ela descobriu que tinha intolerância à lactose e morreu engasgada consigo mesma.
Fim.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Uma vida aos brindes simples das coisas!

Quando você perceber que as únicas coisas que sobraram no seu bolso no fim das contas são um maço de cigarros amassado e duas tampinhas de cerveja, saiba que chegou a hora de voltar a caminhar a esmo pelas ruas e caçar lagartixas psicodélicas.

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Um feliz aniversário para mim!
(Porque, afinal, hoje é dia de RÓQUE, bebê.)


\m/,

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sobre Uma Lâmpada Elétrica Particularmente Irritante


Aquela lâmpada elétrica tá olhando pra mim.
Tá, sim. Eu tô vendo. Você não tá? Olha lá!!

Tá toda contentinha, se achando a última bolacha do pacote só porque é elétrica e brilha.
E daí que você brilha, minha filha? O que diabos eu tenho a ver com isso?
Pára de ficar me olhando, porra!
Eu não fiz nada pra você. Não tenho nem ondas elétricas que viram luz passando por mim!
Pára!

Ahh, ó lá, tá apagando!
Ééé, quem é que era a toda-poderosa, mesmo, heim?
Uhh, a lâmpadazinha elétrica já não é mais tão elétrica assim, veja só.


Apagou, mesmo.
Agora acendeu.
Apagou de novo.
Acendeu.
Apagou.
Acendeu.
Apagou.
Acendeu.

Porra, lâmpada, pirou de vez, foi?
Tá achando que é pisca-pisca de Natal?

Pisca...
Pisca...
Pisca...
Pisca...

Epa.
Por quê você tá piscando pra mim desse jeito?
Pára de piscar pra mim, porra!
Tá achando que vai dominar o mundo, enlouquecendo os humanos com esse acende-apaga-acende?
Pára, eu tô mandando!
PÁRA!

*CRASH*

Obrigada.

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quarta-feira, 11 de julho de 2012

Era uma vez #3

Era uma vez uma princesa presa por ela mesma no alto da torre.
O príncipe encantado que deveria ir salvá-la tomou todas, apaixonou-se pela bruxa malvada e nunca mais apareceu.
A princesa morreu velha, virgem e frustrada.
Fim.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Afirmações


O céu cor-de-laranja é invisível.
Focinhos de porcos não são tomadas.
A sanidade mental não é plausível.
Certas coisas não precisam ser faladas.

Regras existem para serem quebradas.
Jacas deveriam nascer no chão.
Não se pode esconder a mancha com almofadas.
É bem mais divertido andar na contramão.

A vitrine das vaidades está embaçada.
Sempre é tempo de aprender coisas inúteis.
A faxineira anda muito atarefada.
As coisas daquela caixinha são absurdamente fúteis.

As paredes de tijolos estão quebradas.
O teto do castelo tem lascas de vidro.
As cartas do baralho estão todas marcadas.
O sábio da montanha não tem nenhum amigo.

O sino que toca não significa nada.
A velha atrás da porta não é ninguém.
As idéias do seu cérebro são abstratas.
As razões verdadeiras estão no trilho do trem.

Pelo Três Vezes Três e pelas Leis Cósmicas do Universo,
Amém.
(Além).

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sexta-feira, 6 de julho de 2012

Livre Associação

Carteira, dinheiro, bolso, casaco, moletom, frio, inverno, neve, brancura, alvejante, limpeza, bolhas-de-sabão.
Livre associação?

(Ou não, porque perdi a inspiração.)

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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Procrastinação


Só mais um cigarro.
Eu digo, só mais um.

Cinco minutos.

Espera que já vai.
Um cigarro.

Dez minutos?

Um maço pela metade.
Outro maço cheio.

Meia hora?

Só mais um cigarro.
Eu digo, só mais um.

Só mais um.
Cigarro.

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Nos dias em que você acorda sem nem ao menos ter dormido, todas as verdades do universo cabem em uma grande e quente xícara de café.


(São Paulo, julho de 2012)

quarta-feira, 4 de julho de 2012

O Rato Verde Com Asas (ou Uma História Nonsense Para Passar O Tempo)

"Rato Verde Com Asas Por Ele Mesmo"
Técnica: Mouse Ruim Sobre PaintBrush
Julho de 2012 - Rato Verde Com Asas

Era uma vez um Rato Verde Com Asas.

Um dia, estava o Rato Verde Com Asas voando alegremente pelo campo de girassóis – sim, ratos verdes com asas adoram voar alegremente por campos de girassóis – quando uma Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros surgiu de um buraco no chão e o abocanhou – é, isso; cobras cor-de-rosa com óculos escuros adoram surgir de buracos no chão e abocanhar ratos verdes com asas que voam alegremente por campos de girassóis.

Depois disso, o céu se fechou num maremoto e o Grande Provedor Das Terras Girassoleianas surgiu com seu cajado de pirulito vermelho com listras brancas que é típico do Natal e convidou os seus protegidos girassóis para dançarem Salsa.

Todos os girassóis agradeceram o convite do Grande Provedor Das Terras Girassoleianas e puseram-se a dançar freneticamente; era uma honra para eles dançar salsa com tão ilustre figura.

Nada poderia estragar aquele momento tão lindo e tão particular aos girassóis, a não ser que esta fosse a história do Rato Verde Com Asas e não a dos Girassóis Que Dançam Salsa Com Seu Grande Provedor.

Como é justamente este o presente caso, os Girassóis Dançarinos De Salsa e seu Grande Provedor foram expulsos desta história por furto de papel principal e precisaram arrastar-se pelas sarjetas do universo literário pedindo esmolas em busca de uma nova história barata na qual pudessem se enfiar.

Restituído, desta forma, de seu antigo cargo de Protagonista De História Ruim E Nonsense, o Rato Verde Com Asas pôde continuar tranquilamente a ser quase digerido pela Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros sem maiores interrupções.

E lá estava nosso pobre herói Rato Verde Com Asas quase sendo digerido pela Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros quando, subitamente, ouviu-se um estrondo de trovão e um Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes caiu do céu.

Com tamanho sobressalto, a Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros engasgou-se e teve um terrível acesso de tosse, durante o qual o fabuloso Rato Verde Com Asas aproveitou para bater com força suas asas de rato verde e voar de dentro da barriga cor-de-rosa da cobra de óculos escuros o mais rápido possível.

Em sua afobação para sair da goela da Cobra Cor-De-Rosa Com Óculos Escuros, porém, nosso atrapalhado Rato Verde Com Asas voou direto para a corcova do Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes, atingindo-a em cheio com um baque surdo.

E foi então que tudo aconteceu.

A corcova do Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes era, na verdade, o botão de acionamento de uma bomba relógio poderosíssima enviada pelo Povo Inimigo Mortal Dos Girassóis Dançarinos De Salsa do planeta Sênmsens Suallgûmm para acabar com o campo de Girassóis Dançarinos De Salsa.

Acontece que, como você deve se lembrar, ou não, os Girassóis Dançarinos De Salsa já haviam sido expulsos desta história nonsense um pouco mais cedo, fazendo com que o Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes E Na Verdade Era Uma Bomba Relógio, um tanto quanto desapontado, seguisse seu rumo pedindo desculpas à Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros e ao Rato Verde Com Asas por interromper seja lá o que eles estivessem fazendo e fosse explodir sozinho e melancólico num campo de nabos saltitantes.

Depois de toda esta situação complexa e absurda propiciada pelo Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes E Na Verdade Era Uma Bomba Relógio, O Rato Verde Com Asas acabou se tornando, contra todas as expectativas e apenas para deixar esta história ainda mais nonsense, um grande amigo da Cobra Cor-de-Rosa Com Óculos Escuros.


E os dois, desde então, jogam truco e bebem cerveja todas as quintas-feiras em companhia das Cinzas Chamuscadas Do Camelo Púrpura Que Mascava Chicletes E Um Dia Foi Uma Bomba Relógio e do Grande Provedor Dos Campos Girassoleianos - que, na verdade, não era provedor de girassol coisa nenhuma e estava só fazendo um bico nesta história para pagar a conta de luz atrasada do mês passado.

Fim.