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terça-feira, 29 de maio de 2012

Devaneios de Olívia Rey



Três horas da manhã. Olívia revirava-se nos lençóis sem conseguir dormir. Pensamentos desconexos assaltavam-lhe a mente, um mais peculiar que o outro, um mais absurdo que o outro. Um mais doce que o outro.

- Maldita insônia! - pensou, levantando-se e dirigindo-se à varanda.

Acendeu um cigarro. Ridículo pseudo-refúgio da timidez e do nervosismo. Mas, e daí? Do seu esconderijo no milésimo andar podia espiar sem ser notada toda a vida noturna e secreta de uma cidade insone, incapaz de parar, incapaz de descansar, incapaz de...

- Assim como eu - pensou, dando uma longa tragada no cigarro.

O céu e a terra haviam invertido os papéis, ela pensava. As estrelas haviam caído e se alojado nas lâmpadas elétricas que se estendiam pelo horizonte, enquanto a Lua brilhava sozinha no firmamento, minguante e Capricorniana.

As frustrações todas de sua curta vida burguesa dançavam tango com os momentos de êxtase e felicidade num compasso dolorido e envolvente, paranóico, assustadoramente delicioso.

Passou a pensar em tudo o que poderia ter sido e não foi, em tudo o que não poderia ter sido e foi, em tudo o que poderia ser e de fato foi.

Deu outro longo trago no cigarro e apagou-o no cinzeiro de cristal falso. Olhou para o céu e desejou viver uma grande aventura, digna de livro de ficção. Queria viver algo pelo qual pudesse ser lembrada, algo que lhe permitisse ter histórias verdadeiras para contar. Algo relacionado a piratas espaciais, magos da idade das trevas ou até Terríveis Bestas Vorazes de Traal.

Será que ela estava no lugar certo, na hora certa, fazendo a coisa certa? Ou será que foi justamente o contrário o que aconteceu?

Ninguém nunca saberá.

O que se sabe é que alguma coisa certa estalou em seu cérebro com um ruído errado e Olívia Rey nunca mais foi - ou pôde ser - a mesma.

...

(Olívia Rey é minha única personagem que não tem biografia definida. Sua vida sempre foi tipicamente paulistana, tipicamente classe-média, tipicamente típica. Ela só existe em seus devaneios - que, no fim, na verdade também são os meus.)

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Capitã Zara Jenks

Mais uma de minhas personagens com a biografia atualizada.
Apresento-lhes Capitã Zara Jenks, a cigana-pirata que comanda um navio tripulado quase exclusivamente por mulheres.


Zara Jenks tem uma história de vida interessante que começa desde antes de sua concepção.

Certa vez, quando o mundo ainda era separado por sete mares e os monstros oceânicos ainda povoavam o desconhecido, um charmoso pirata inglês de nome John Jenks aportou determinada noite em um vilarejo litorâneo da Espanha. Enquanto embriagava-se para finalmente recuperar-se dos anos ao mar, uma bela cigana de cabelos vermelhos chamada Carmen perguntou-lhe se gostaria que lhe tirasse a sorte.

- Eu tiraria a sorte se tivesse você, bela jovem dos cabelos de fogo - respondeu o pirata.

Os dois amaram-se intensamente por três dias e três noites, até o momento da partida do navio de John. A despedida foi dolorosa, mas a breve paixão rendeu frutos. Nove meses após o romântico encontro nasceu a pequena Zara, com os olhos escuros do pai e os cabelos rubros da mãe.

Zara cresceu com sua mãe em meio à comunidade cigana, aprendendo todos os sortilégios e a sabedoria mágica de seu povo com as artes ocultas. Como sua progenitora, ela possuía um dom especial em seu sangue para as adivinhações e as magias de água. E, como seu pai, possuía uma enorme atração pelo mar.

Desde muito nova a pequena cigana de cabelos vermelhos gostava de passar horas a fio no cais, ouvindo maravilhada as histórias contadas pelos marujos sobre as terras desconhecidas e os tesouros perdidos que viram em suas viagens. Zara observava o mar com olhos sonhadores e almejava a liberdade de se navegar a esmo, com o vento nos cabelos e o sol no rosto até, quem sabe, o fim do mundo - ou ainda além.

Ao compartilhar suas aspirações com os homens do mar, porém, por todas as vezes recebia risadas irônicas e o inevitável comentário "Você é só uma menina!".

- Mas eu vou crescer! - respondeu Zara certa manhã, com indisfarçada irritação.

- E vai se tornar nada mais que uma mulher - disseram, sorrindo - Você sabe que levar uma mulher em um navio sempre deu azar.

- Quando eu me tornar a capitã do navio pirata mais temido dos sete mares é que vocês vão ver o azar que dá ter uma mulher em um navio - respondeu ela em tom de profecia.

E então, na manhã do dia em em que Zara completaria dezesseis anos, um navio vermelho sem bandeira aportou no cais do vilarejo. A cigana que aspirava ser pirata sentiu o coração dar um pulo: sua mãe lhe dissera mil vezes que o navio de seu pai possuía estas cores. Uma embarcação da cor do sangue, quantas mais haveriam no mundo? Será que seu pai finalmente voltara, depois de tantos anos? Será que ele a reconheceria? Seria aquela a sua chance de conhecer o além-mar?

Zara correu até o porto e perguntou pela tripulação do navio vermelho.

- Do Scalett Sky? Por quê? Eles estão devendo para alguém? - respondeu-lhe um homem de olhos escuros que cheirava a rum - Oi! - continuou ele, aproximando-se mais e observando-a atentamente - Você me lembra alguém...

O homem piscou algumas vezes e segurou uma mecha de seus cabelos.

- Oi! - exclamou ele - Mas como? Você é bruxa? Já faz tempo, você tinha que estar velha! - continuou, olhando-a nos olhos - E tem os olhos, esses olhos estão errados... Esses olhos são... Oi! esses olhos são meus!

- Acho... - respondeu Zara, extasiada - Acho que sou sua filha.

- Filha?! - disse o homem - Com mil cães sarnentos, FILHA?!

Passada a surpresa inicial, Zara pôs-se a contar quem era sua mãe e a história de sua concepção. Era essencial que ele se lembrasse. A sua chance de conhecer o mundo estava ali, cambaleando bêbada na sua frente!

- Batráquios me mordam, você realmente deve ser minha filha - disse ele sacando uma garrafa de rum da bolsa e bebendo um demorado gole - Eu me lembro da bela Camélia... Carmela... Carmem!, dos cabelos de fogo. Ela está viva, ainda? Tem todos os dentes?

À noite, Zara levou seu suposto pai para ver sua mãe. E não conteve a alegria quando viu que os dois reconheceram-se imediatamente:

- Você está mais velha - disse o pai de Zara - Mas ainda está linda.

- Você também. E continua cheirando rum.

Depois de deixá-los a sós pelo tempo que precisavam para se reconhecerem verdadeiramente, Zara expôs para seu pai seu desejo de conhecer o mar.

- Oi! - respondeu ele - Quer conhecer o mar, é? - continuou, analisando-a de cima a baixo - Sabe que você se parece comigo quando tinha a sua idade? Só que, claro, com peitos. E cabelos vermelhos.

- Minha mãe tinha me dito - disse Zara, abrindo uma garrafa de rum e passando-a ao pai - Você não quer mais um pouco de rum? Tem cerveja, também. E vinho, se preferir.

Na manhã seguinte, completamente bêbado, o pirata resolveu que seria uma excelente ideia ter a filha como parte da tripulação, afinal, ela era também uma cigana, seus sortilégios poderiam ser de bom uso contra as tropas da coroa ou comerciantes desavisados, e era sua filha, sangue do seu sangue, e...

- Por que eu trouxe você, mesmo? - perguntou ele naquela noite, já em alto-mar, em uma visível ressaca.

- Porque eu sou cigana e sua filha, lembra?

- Sei. Certo. Então vá lá, pegue umas garrafas de rum pra gente comemorar.

Navegaram bem à bordo do navio por dois anos. No terceiro ano de navegação, ela e seu pai maquinaram uma conspiração para tomar o comando do Scarlett Sky e instigaram a tripulação contra o capitão gordo do navio, William O'Higgins. Os dois eram agora Capitão John e Primeira-Imediata Zara, e desenvolveram uma amizade muito forte depois disso. Descobriram-se muito parecidos - e muito chegados em um rum.

Mas como nem tudo na vida é um mar de rosas, especialmente se você for Capitão e Primeira-Imediata de um navio pirata cuja tripulação você mesmo já ajudou a se rebelar, um belo dia os subordinados do Scarlett Sky decidiram que gostariam de um novo capitão, em especial algum cujo filho não fosse uma mulher cigana e primeira-imediata, e tornaram-se insubordinados.

A luta foi ferrenha, mas Zara e seu pai eram bons no que faziam. Com a ajuda de mais dois marujos de confiança massacraram os revoltosos e reassumiram o comando.

- Zara, minha filha - disse seu pai na noite seguinte à luta - Será que sua mãe ainda tem todos os dentes? Estou cansado dessa vida. Não tenho mais pique nem tripulação para continuar nesse navio. Vamos voltar para a Espanha.

- Eu não quero voltar - disse Zara - Descobri que meu coração pertence ao mar.

- É, sei. Você é nova, ainda. Bem, se você quer mesmo continuar, fique com o Scarlett. Você é minha primeira-imediata, de qualquer forma é capitã na minha ausência. Consiga uma tripulação melhor do que a que tínhamos e navegue por aí, pequena versão minha com peitos.

E este foi o início da lenda.

Depois de deixar o pai em terra e descobrir que praticamente nenhum marujo gostaria de enfrentar as agruras do oceano em um navio capitaneado por uma mulher, Zara convocou todas as mulheres que porventura tivessem o ímpeto de conhecer o mundo no sangue para compor sua tripulação e lançou-se ao mar em busca do fim do mundo.

Comandado por uma cigana e com uma tripulação quase exclusivamente feminina, o Scarlett Sky foi considerado um dos mais temíveis navios piratas da história dos sete mares.

- Mulheres no navio dão mesmo azar - diz Zara - Mas não para nós.

...

(Em tempo: Zara é também prima distante do Capitão Jack Sparrow. E sim, eles tiveram um caso. XD)

quarta-feira, 16 de maio de 2012

Gladys Wellgood

Fiquei com vontade de reformular as biografias das minhas personagens. Aqui vai a da Gladys, a "quase quarentona bêbada norte-americana que mora num trailler e tem uma penca de filho" XD


Esta aí em cima chama-se Gladys Wellgood. No auge da decadência dos seus trinta e nove anos, mora há quase quinze num trailler no Texas, bem próximo à fronteira com o México, e tem sete filhos; cinco meninos e duas meninas.

Gladys nasceu em uma típica família da periferia norte-americana. Seu pai era revendedor de carros - adquiridos não necessariamente de forma lícita - e sua mãe vendia cosméticos no bairro. Teve dois irmãos, dos quais um foi assassinado por policiais na semana em que completaria dezessete anos e o outro trocou de sexo e casou-se com o pastor da igreja anglicana que sua família costumava frequentar.

Ela odiava seu pai, que batia em sua mãe, e odiava sua mãe, que passava a maior parte do tempo completamente alterada pela heroína. Tinha especial apreço pelo irmão mais velho, que morreu, e ignorava totalmente o mais novo, que hoje atende pelo nome de Guinevere.

Quando tinha por volta de catorze anos, seu pai um dia chegou completamente embriagado em casa e partiu para cima dela. Sua mãe gritou, os dois estapearam-se, Gladys jogou uma torradeira na cabeça de seu pai, sua mãe desmaiou e ela fugiu de casa no mesmo dia. Passou dois dias perambulando pelas ruas da cidade bebendo qualquer coisa alcoólica que caísse em suas mãos e fumando tudo o que seus ainda jovens pulmões pudessem aguentar. Voltou quando o dinheiro acabou, mas apenas porque sua mãe, tendo-a encontrado no meio-fio de uma loja de conveniências, implorou de joelhos para que voltasse para casa.

Alguns meses depois, durante a comemoração junkie do seu aniversário de quinze anos na casa de alguns amigos, conheceu Abelardo Castañed, um mexicano charmoso de uns vinte e seis anos. Sua mãe acabara de ser internada em uma clínica para reabilitação e seu irmão morrera há apenas algumas semanas. Resolveu então fugir com o mexicano naquela mesma noite. Nada havia mais para ela naquele lugar.

Gladys morou com Abelardo em seu apartamento por volta de um ano, até engravidar de seu primeiro filho, Evo. Alguns meses após o nascimento do filho, o mexicano um belo dia saiu para comprar cigarros e nunca mais voltou.

Começou a trabalhar como garçonete em uma lanchonete de estrada para sustentar a si, a casa e ao filho. "Pelo menos tenho um lugar onde morar", obrigava-se a pensar.

Cerca de um ano e meio depois, durante seu expediente de trabalho, conheceu Isaiah Johnson, um sério corretor da bolsa de valores de vinte e cinco anos de idade. Saíram algumas vezes, ele lhe segredou que a amava e que gostaria de criar o filho dela como se fosse seu e casaram-se pouco tempo depois. Ela engravidou após alguns meses de sua segunda filha, a quem deu o nome de Nicole, e eram felizes assim. Havia-se passado cerca de apenas dois anos de matrimônio, porém, quando Isaiah foi assassinado durante um assalto, deixando Gladys sozinha mais uma vez.

Precisando sustentar mais uma pequena boca, Gladys deixava agora seus filhos com Dona Martina, uma senhora que ia quase se decompondo de tantos anos que carregava nas costas, e trabalhava incessantemente em um restaurante barato na borda da cidade. Foi durante este período que começou a beber em demasia e a experimentar psico-ativos mais intensos. Não aguentava ficar tanto tempo longe dos filhos, não aguentava precisar atender clientes estúpidos em troca de alguns trocados, não aguentava aquela merda de vida em que tinha se enfiado. Dona Martina uma vez dissera que aquilo era castigo de Deus pelo seu irmão ter renegado quem era e pervertido um santo homem da Igreja. Levou um soco na boca por isso.

Uma noite, durante seu expediente, alguns dias depois de uma mulher mais velha rodeada por dois homens robustos e mal-encarados aparecer em sua casa dizendo-se esposa legítima de Isaiah e reivindicando o apartamento como seu, Gladys conheceu um homem muito galante e simpático chamado Robert Davish. Ele havia acabado de comprar um trailler, e era absolutamente bonito, gentil e atencioso. Passaram a encontrar-se algumas vezes e, depois que a dita esposa de Isaiah ameaçou-a de morte para que saísse de seu apartamento, resolveram casar-se e mudar para o trailler de Robert. Com ele, Gladys teve seu terceiro filho, Henry. Moraram juntos durante quatro longos e felizes anos, até que Robert descobriu-se gay. Deixou um bilhete dizendo que gostava muito de Gladys, mas que amava outra pessoa. Deixou o trailler e alguns maços de dinheiro para ela e foi embora com o garoto que vendia jornais.

Por dois anos Gladys morou sozinha no trailler com seus três filhos, fazendo bicos aqui e ali para sustentar a família, exagerando na quantidade de álcool e entorpecentes que ingeria e amaldiçoando aquele Deus filho-da-puta que a fazia pagar pelos pecados dos outros.

Nesta época, conheceu Jean Pierre Chevalier, um francês galanteador que prometera levá-la e a seus três filhos para morar na França assim que suas finanças se estabilizassem. Nunca dissera exatamente em que trabalhava, porém. Casaram-se e passaram a morar juntos no trailler que fora de Robert, "só enquanto as finanças de Jean Pierre não se estabilizassem". Mas as finanças nunca se estabilizaram.

Quando Gladys engravidou novamente, após alguns anos de casamento, Jean Pierre achou que o filho não era dele e partiu para cima da esposa com uma garrafa quebrada. Ela e seu filho mais velho atacaram-no com vassouras e pás até deixarem-no desacordado. No dia seguinte, o francês bom-de-bico foi embora para nunca mais voltar. Seu filho que já nasceu sem pai foi chamado de Henri.
 
Após dois anos de mais labuta, bebidas e cigarros, Gladys conheceu Stephen Bishop, seu atual marido, na festa de aniversário de um amigo de seus filhos. Americano mestiço, ele trabalhava como coiote, transportando ilegalmente mexicanos para território estadunidense. Os dois apaixonaram-se perdidamente, e Bishop foi morar em seu trailler apenas alguns meses depois de se encontrarem pela primeira vez.

Gladys e Stephen estão casados há mais de cinco anos, e juntos tiveram os gêmeos Edward e Edgard e a menina Rebecca. Dão-se bem, e vivem felizes, na medida do possível. Álcool, cigarros e entorpecentes estão sempre presentes, é verdade, mas desta vez Gladys pode dizer com certeza que qualquer coisa como o que alguns chamam de amor também está.