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segunda-feira, 7 de maio de 2012

O Santuário - Parte III

(Se acabou de cair de pára-quedas, leia aqui a parte um e aqui a parte dois)



O som dos tambores recomeçara no momento em que Rosângela e Gregory colocaram os pés para fora da cabana. Uma cruz vermelha havia sido pintada na porta de madeira. Os dois correram desesperadamente em direção ao bosque próximo, pensando apenas em como poderiam sobreviver àquela monstruosidade surreal. Depois do que lhes pareceu horas de correria às cegas, finalmente o bumbo dos tambores distanciou-se até cessar completamente. Eles estavam completamente perdidos, com apenas a luz da lua a iluminar fracamente as árvores a sua volta.

— E agora?! — gritou Gregory levando as mãos à cabeça e encostando-se a uma árvore. Estava prestes a desmaiar — Por quê você tinha que ter entrado naquela maldita caverna, Rosi?! Por quê?! Agora nós estamos completamente fodidos, presos nesse pesadelo de filme de terror até que alguma coisa monstruosa venha atrás de nós e acabe com a história de uma vez!!

— Ah, cala a boca! Foi você que fez isso acontecer, tinha que ser estúpido o suficiente pra se cortar naquelas lanças? — respondeu Rosângela aos berros.

Os dois ficaram em silêncio.

— Porra, Greg — disse Rosângela abraçando o marido — Não vamos brigar. A gente já tá fodido, só vamos piorar as coisas. Vem, vamos tentar sair daqui.

Caminharam a esmo por um bom tempo, embrenhando-se cada vez mais na mata densa. Silvos de animais noturnos misturavam-se com o resfolegar do vento nas copas das árvores. Olhos brilhantes os observavam do escuro. Então, subitamente, um uivo lancinante pôde ser ouvido e um intenso brilho avermelhado surgiu ao longe na floresta, aumentando de tamanho rapidamente e aproximando-se cada vez mais.

— Rosi... — disse Gregory agarrando o braço da esposa.

O fogo espalhava-se de forma veloz, tomando tudo o que encontrava pela frente. Rosângela e Gregory correram na direção contrária a toda velocidade, acompanhando os muitos animais selvagens que também fugiam do inferno flamejante, tropeçando inúmeras vezes em ramos espinhentos ou buracos de coelhos.

Depois de algumas horas em fuga alucinada, o fogo finalmente ficara para trás, e os dois haviam perdido completamente o sentido de direção. Ainda caminhavam a esmo quando as primeiras luzes da aurora ficaram visíveis por entre as folhagens.

Era dia claro quando chegaram a uma estreita trilha de terra. Estavam cansados, esfomeados, sedentos e esfarrapados. Mas estavam vivos, e era tudo o que importava.

— Acho que essa trilha é a que usamos para ir da aldeia até aquela caverna — disse Rosângela — Será que é seguro voltarmos para a aldeia? — continuou com um arrepio.

— Nós não temos muita escolha, temos?

***

Ao chegarem nas proximidades da aldeia o Sol já estava alto. A luz reconfortante do Sol fazia com que todos os horrendos acontecimentos da noite anterior não passassem de um sonho. No momento em que entraram na aldeia, porém, todas as suas esperanças se desfizeram em pó.

O cenário era desolador. O vilarejo estava absolutamente deserto. As paredes das cabanas haviam sido marcadas com símbolos peculiares e enormes cruzes vermelhas brilhavam, pintadas com sangue, nas portas arrancadas.

— Rosi... — começou Gregory, pálido, apontando para um lado.

Uma fileira com centenas de lanças reluzentes estava disposta em forma de espiral, com cabeças humanas sanguinolentas espetadas morbidamente em suas pontas. Os olhos eram buracos vermelhos e pustulentos, e as orelhas e narizes haviam sido arrancados, contribuindo para a aparência grotesca da cena.

Os conhecidos tambores começaram a soar.

— Nós vamos morrer... — balbuciou Gregory.

— Não, não vamos — disse Rosângela — Eu me recuso a morrer dessa forma. ME RECUSO, ESTÃO ME OUVINDO, ESPÍRITOS AGOURENTOS? — gritou para o céu e abriu os braços — VOCÊS NÃO EXISTEM, SEUS MALDITOS FILHOS DA PUTA! EU NÃO ACREDITO EM VOCÊS, VOCÊS NÃO PODEM FAZER NADA COMIGO! EU NÃO VOU MORRER ASSIM! NÃO VOU! NÃO VOU!

E os tambores emudeceram.

— Não vou... — Rosângela parou — Greg. Os tambores...

— Rosi, o que você fez?

— Eu... não...

— Seja lá o que for, é a nossa deixa pra sairmos daqui! O carro do professor deve estar estacionado na beira da estrada, se conseguirmos encontrar a chave em algum lugar...

Encontraram a chave milagrosamente ao lado dos escombros que outrora foram a cabana de Richard Johnson. Correram até o carro que, por outro milagre, estava incrivelmente intacto.

— VAI! — gritou Rosângela pisando no acelerador, mas o carro insistia em não funcionar — VAMOS!!

O som dos tambores recomeçara. Parecia estar se aproximando.

Finalmente o carro pegou. Saíram cantando pneu, distanciando-se da aldeia e do som dos tambores, até finalmente chegarem ao aeroporto.

****

— Ah! Nem acredito que estamos em casa — disse Gregory, dois dias depois, espreguiçando-se em seu sofá — E vivos!

— Nem me fale — respondeu Rosângela — Talvez no fim nós estivéssemos apenas sonhando.

— Se eu sonhasse com uma coisa daquelas nunca mais perdoaria o meu subconsciente.

— Vou buscar o jornal — disse a doutora, abrindo a porta — Greg... — continuou, empalidecendo.

Uma cruz vermelha havia sido pintada com sangue em sua porta. E o som dos tambores recomeçava...

...

FIM.

domingo, 6 de maio de 2012

O Santuário - Parte II

(Se não leu a parte I, clique aqui)


— Ah, essa não! Cadê a lanterna?

Com cuidado redobrado, desceram os últimos degraus. Quando seus pés os avisaram de que haviam chegado ao final da escadaria, puseram-se a procurar a lanterna, apalpando o escuro.

— Ugh! Que fedor! — disse Gregory tampando o nariz e tateando o vazio em busca da lanterna — Ai! Acho que me cortei!
— Achei! — Disse Rosângela ligando a lanterna.
Mas seria melhor tê-la deixado apagada.

O aposento era úmido, com correntes enerrujadas pendendo do teto e ratos e besouros em decomposição acarpetando todo o chão. Lanças e espetos cujas pontas atravessavam restos de cabeças humanas acomodavam-se a um canto, enquanto no outro centenas de esqueletos e corpos mutilados jaziam de forma sombria. Nas paredes, inscrições de símbolos estranhos pareciam ter sido pintadas com sangue, e do lado oposto ao da escadaria, presa à pedra por ganchos de ferro, uma enorme coroa de ouro e diamantes cintilava agourentamente sob a luz da lanterna.
— Rosi... — sibilou Gregory — Acho que me cortei naquelas lanças... estou sangrando!

— Vamos embora daqui...

Subiam lentamente os primeiros degraus da escadaria quando, então, uma gargalhada demoníaca ecoou pelas paredes de pedra.

Rosângela e Gregory estremeceram, sentindo as entranhas congelarem e o coração acelerar como se quisesse abrir um buraco no peito e fugir para o mais longe possível dali. E então puseram-se a correr. Correram como se um diabólico exército de criaturas infernais estivesse marchando atrás deles e suas vidas dependessem da velocidade dos seus pés – porque, naquele momento, talvez elas de fato dependessem.

Assim que chegaram ao topo da escada e saíram para o salão com os pilares, a parede se fechou novamente com um estalo, e os dois continuaram correndo desesperadamente sem olhar para trás por sequer um instante. Voltaram para a cabana sem nem ao menos esperar pelo resto da expedição.

— Caramba! — exclamou Gregory arfando quando chegaram ao alojamento — O que diabos era aquilo?!

— Não sei — disse Rosângela com uma expressão fixa — Acho que era uma tumba, ou uma masmorra...

— E o que foi aquela risada?! — falou Gregory apertando as mãos.

— Deve ter sido coisa da nossa cabeça, Greg. Ficamos perturbados pra burro quando vimos aquelas correntes e aqueles — ela estremeceu — corpos. Deve ter sido isso. Tem que ter sido isso. Não pode ser outra coisa. Porque, né?, essas coisas não existem. Não podem existir. Não... — ela balançou a cabeça e olhou para ele — Ai, Greg, você tem que limpar esse machucado!

— Ah, é mesmo! Com tanta adrenalina tinha até parado de doer. Devo ter me cortado em alguma daquelas lanças novas e limpinhas que estavam lá. É melhor eu lavar isso logo antes que infeccione, dê uma gangrena e eu morra de tétano.

***

À noite, Rosângela e Gregory jantavam um ensopado qualquer em sua cabana.
Agora, sério, Rosi — começou Greg — Aquilo que aconteceu hoje mais cedo não foi produto das nossas mentes perturbadas. Meu cérebro nunca seria capaz de criar uma gargalhada tão assustadora quanto aquela.

— Ah, Greg, de novo isso? Não quero mais pensar sobre esse assunto. O cheiro da decomposição deve ter feito a gente alucinar, sei lá. Ou vai dizer que você prefere acreditar que eram zumbis hindus doidos para comer nossos cérebros?

— E se fossem?

— Você anda assistindo muito Walking Dead. Em todo o caso, zumbis não gargalham.
Neste momento, ouviram três fortes batidas na porta de madeira do bangalô.

— Quem será a essa hora? — perguntou Gregory, tenso.

— Relaxa, Greg, zumbis não batem na porta antes de entrar — riu Rosângela — Quem é? — perguntou mais alto.

— É o professor Richard Johnson — disse uma voz rouca do lado de fora.

— Ah, o que esse cara de fuínha quer agora? — disse Gregory em voz baixa.

O professor era o chefe da expedição. Um senhor baixo, magro, com uma cara comprida e um nariz pontudo. Muito míope e muito entediante, porém muito inteligente também. E já havia estado naquela região da Índia aprofundando suas pesquisas pelo menos umas oito vezes antes daquela.

— Boa noite — disse ele quando entrou — Como está o ensopado?

— Ah, está gostoso. As cozinheiras daqui são muito boas. O senhor gosaria de jantar?

— Não, obrigado. Tenho uma pergunta a fazer. Vejam, eu não queria parecer grosseiro, por isto perguntei sobre o ensopado. Mas a pergunta que quero fazer não é essa, sobre o ensopado. Dizer banalidades ajuda a quebrar o gelo, é o que dizem por aí. Não sou muito bom com essas coisas. Fiz cursos, até. Mas não sei lidar com pessoas, especialmente vivas.

— Hum, certo, professor. O senhor gostaria de saber...? — cortou Rosângela.

— Sim. Digam-me: O que aconteceu na gruta hoje de manhã para que vocês decidissem voltar sem a expedição?

Gregory e Rosângela entreolharam-se.

— Bem, o Greg se machucou — começou Rosângela — E achamos melhor vir tratar o ferimento dele aqui.

— Deixe-me ver este ferimento — disse o professor.

Gregory retirou as bandagens que envolviam sua mão e mostrou ao professor seu machucado recém-adquirido.

— Este ferimento se parece com os encontrados nos vestígios mortais de um antigo grupo humano que costumava viver nesta região. Estranho, estas lanças utilizadas por eles não existem mais hoje em dia. Ou existem? — Richard Johnson lançou-lhes um olhar penetrante por trás dos grossos óculos de aros pretos — Essas lanças são envenenadas. Você está morrendo, Gregory.
— O QUÊ? NÃO! COMO...? — gritou Gregory.

— O que você está dizendo, professor? — perguntou Rosângela arregalando os olhos e abraçando seu marido — Não, veja, nós encontramos uma sala isolada na gruta, hoje, que tinha essas lanças, uma coroa e esqueletos e...

— Ah, sim — disse o professor — Eu havia imaginado. Acalme-se, Gregory, você não vai morrer, pelo menos não envenenado pela lança. Só disse isto porque precisava que me contassem exatamente o que aconteceu.

— SEU VELHO FILHO DA PUTA! — gritou Gregory dando um soco na cara de Richard.

— De qualquer forma — disse o professor, limpando o sangue da boca — vamos todos morrer.

— Como assim? — perguntou Rosângela.

— Vocês abriram a Tumba Sagrada, onde os antigos povos hindus aprisionavam os maus espíritos e os de mau coração. Vocês... — nesse momento, parou. Sons de tambores ecoavam nas paredes, cada vez mais altos.

— Que porra é essa? — berrou Gregory dirigindo-se à janela.

— São os antigos tambores Hindus usados em rituais de sacrifício — respondeu Richard começando a balançar-se freneticamente para frente e para trás. Linhas azuladas em forma de círculos começaram a despontar em sua pele ao redor dos olhos, alongando-se por todo o rosto.

— O que... o que é isso no seu rosto, professor?! — perguntou Rosângela em um sussuro.

— Meu rosto... — começou Richard tocando os olhos. As marcas agora enrolavam seu pescoço, colo e braços. Os tambores ficavam cada vez mais próximos, cada vez mais altos, cada vez mais desesperadores. — É o começo do fim.

— Vou ver que merd... — disse Gregory abrindo a porta. Mas subitamente o som dos tambores cessou, mergulhando a aldeia num silêncio ensurdecedor — Isso é pior que os tambores... — sussurrou.

— É... em breve, agora... — balbuciou o professor, tremendo nervosamente, apertando os braços contra si.

— O que aconteceu? — perguntou Gregory — O que ESTÁ acontecendo?

— Vocês — o professor levantou-se de repente — VOCÊS! VOCÊS LIBERTARAM OS ESPÍRITOS AGOURENTOS DE OUTRORA!

— O quê?
— DEPOIS DE MILHARES DE ANOS ENCLAUSURADOS, ELES VOLTARAM PARA SE VINGAR! — Richard virou-se bruscamente para Gregory, agarrando-lhe o braço — E A CULPA É SUA!

— Minha?!

— O SEU SANGUE! O SEU SANGUE DEU-LHES A VIDA NOVAMENTE!

— Professor, por favor, acal...

— NÃO! O SANGUE DELE DESPERTOU OS ESPÍRITOS AGOURENTOS DE OUTRORA! ELES ESTÃO VOLTANDO PARA ME PEGAR, PARA PEGAR TODA A HUMANIDADE! VEJAM AS MARCAS!

— Professor, acalme-se, eu...

— ACALMAR-ME? FUI EU QUEM APRISIONOU O ÚLTIMO SER INFERNAL, O MAIS PODEROSO DE TODOS, EXATAMENTE CINQUENTA ANOS ATRÁS! — o professor caiu no chão, retorcendo-se de forma inumana — AGORA ESSE IMBECIL OS SOLTOU, E ELE VIRÁ ATRÁS DE MIM! E DE VOCÊS! E DE TODA A HUMANIDADE!

Os tambores recomeçaram. Richard gemia e contorcia-se caído no chão de terra. Gregory, histérico, gritava palavrões atropelados e esmurrava uma parede. Rosângela sentava-se na cadeira e olhava fixamente para o professor, em choque.

— Greg... — começou a doutora — Greg, acho melhor..

O professor caído começara a transformar-se em qualquer coisa absolutamente inexplicável. Seu cabelo grisalho caía em tufos no chão enquanto pequenas elevações cônicas surgiam em seu crânio. Sua pele adquirira uma coloração alaranjada e os círculos azulados aprofundavam-se como sulcos negros na carne. Bolhas cinzentas pipocavam em suas costas.

— VAMOS SAIR DAQUI! — berrou Gregory puxando a esposa pelo braço e batendo a porta da cabana atrás de si.


(Continua...)

O Santuário - Parte I

(Minha primeira e, por enquanto, única história de "terror", escrita nos idos anos de 2006. Publico-a aqui em três capítulos, totalmente revisada e renovada.)



Era um dia nublado e abafado. Doutora Rosângela Friburgo lia distraidamente seu jornal quando foi interrompida pela campainha.

— Carteiro! — informou uma voz do lado de fora.

Ao pegar a correspondência, Rosângela notou que, entre as contas e propagandas habituais, havia também uma carta maior, com o símbolo do museu nacional, endereçada a ela.

Rosângela era doutora em arqueologia, acabara de especializar-se em procedimentos e técnicas de escavação e trabalhava há quase dois anos no museu nacional. Ganhava bem, tinha uma confortável morada em Londres, uma casa de veraneio em Portugal e um sonho infantil inconfesso de viver aventuras como as enfrentadas pelo personagem Indiana Jones. Foi sua paixão por esta ficção que a fez decidir seguir a carreira da arqueologia, mas se qualquer um de seus colegas de universidade levantasse esta hipótese ela a negaria até a morte.

— Oh! — exclamou ao ler a carta — Uma expedição? À Índia? No mês que vêm?!

Após ficar alguns instantes com o olhar perdido imaginando-se fugindo de pedras gigantes e múmias-zumbis, correu para contar a novidade ao marido.

— Legal. — respondeu ele.

— Legal? — disse Rosângela — É maravilhoso! Já fiz algumas escavações na Índia antes, meu mestrado foi sobre isso, lembra?, mas esta é justamente a oportunidade para colocar em prática minha tese de pós-doc que... — o marido parecia não estar prestando a mínima atenção — Poxa, Greg. Um pouco de consideração aqui, sim?

— Mas eu tô prestando atenção — disse ele brincando com o controle remoto da televisão.

— Sei. Bom, a viagem é toda paga pelo museu e eu posso levar um acompanhante, mas se você não quiser ir eu chamo a minha irmã.

— Quê? — ele levantou-se num pulo do sofá — Tudo pago? Ah, Rosi, por que você não disse logo? Arrume as malas! Vamos viajar de graça!

****

— Ai! Quanto mosquito!

Gregory não agüentava mais aqueles bichinhos barulhentos zumbindo em seus ouvidos e deixando suas pernas embolotadas e em carne-viva. Arrependera-se amargamente de ter acompanhado Rosângela no momento em que botou os pés na aldeia onde se estabeleceriam durante a viagem. Fazia calor, havia milhares de mosquitos do tamanho de elefantes e os colegas de sua esposa eram professores doutores universitários arrogantes e sem um pingo de senso de humor.

Estavam havia dois dias enfiados num casebre minúsculo, cheio de rachaduras e sem água encanada em algum lugar próximo a uma aldeia à noroeste da Índia que alguém lhe disse ter o nome de Ellora. E fazia calor, muito calor.

— Devia ter imaginado — continuou ele, limpando o rosto com um lenço e espantando meia dúzia de mosquitos — Pago pelo museu... Rá! Deve ter sido o lugar mais barato que arranjaram, esses pilantras.

— Ah, amor, não reclama — disse Rosângela — Essa aldeia é a mais próxima do sítio onde estamos escavano. E aqui é tudo tão fascinante! Você viu aquela gruta que encontramos por acaso mais ao sul, hoje? Os entalhes nas pedras são definitivamente magníficos!

— Magníficos, sim. Magnífico seria poder tomar um belo banho de hidromassagem, ligar um refrescante ar-condicionado na potência máxima e matar com raios-laser milimetricamente programados esses malditos mosquitos filhos de uma égua.

Com um muxoxo de cansaço ele deitou-se na cama feita com bambus e, pensando em refrigeradores de ar industriais e matadores de moscas gigantes finalmente adormeceu.

No dia seguinte Rosângela acordou bem cedo, fez um café forte com o pó que trouxera de casa e convenceu o marido a levantar-se também.

— Hoje vamos explorar aquela gruta que achamos ontem — disse ela, empolgada, enquanto bebia seu café — Pode ser que tenhamos encontrado um lugar em que nenhum humano colocou os pés desde o século oito!!

— Que bom — respondeu Gregory, irônico, esfregando os olhos.

— Você pode ficar aqui, se quiser.

— Ah, obrigada, mas vou com vocês. Prefiro a companhia daquele cara de fuínha do Professor Johnson a ser o prato principal para o almoço dos mosquitos. E eu não fui muito com a cara desses nativos. Parece que eles estão observando por dentro da minha alma — continuou quando saíram para a rua.

Juntaram-se ao restante da expedição e rumaram em direção à caverna. Ela ficava a pouco mais de uma hora de caminhada da aldeia, escondida por uma alta vegetação. Encontraram-na por acaso na tarde anterior, quando os dois estagiários graduandos em História afastaram-se do sítio para, bem, utilizarem-se de algumas substâncias psico-ativas e tropeçaram em uma pedra entalhada. A princípio achou-se que os garotos estavam equivocados, porém Rosângela fez questão de observar por si própria aqueles entalhes e encontrou a entrada da caverna. Como já começava a escurecer decidiram ser mais sensato deixar a exploração para o dia seguinte.

Ao chegarem, Rosângela, e até mesmo Gregory, ficaram boquiabertos. A gruta, a qual parecia pequena por fora, era bem maior por dentro do que o esperado. Havia deuses e animais esculpidos na pedra bruta por todas as paredes e grossos pilares de pedra com inscrições antigas entalhadas milhares de anos atrás.

À volta de um destes pilares Rosângela notou algumas inscrições peculiares e, deixando que o resto do grupo seguisse em frente, demorou-se mais alguns instantes a fim de analisar melhor o que elas poderiam significar.

— Curioso... é... curioso... realmente muito curioso... curiosíssimo...

— Rosi, será que você poderia fazer o favor de me dizer o que dabos é tão curioso? — perguntou Gregory bocejando.

— Essas inscrições... não batem com as do resto do santuário... parecem mais antigas. Veja, há alguns fungos fossilizados aqui que...

— Ah, claro, fungos fossilizados. Certo. Bom, Rosi, enquanto você troca uma ideia com estes fungos anciãos eu vou me sentar aqui um instantinho, ok? Minhas pernas doem, eu não sou mais um garoto de dezoito anos que...

Quando ele encostou-se à parede próxima do pilar, algo fez mover um tipo de passagem, revelando uma escadaria comprida e sem final visível.

— Ai, caramba! Não fui eu! — disse Gregory afastando-se rapidamente.

— Uau! — disse Rosângela dando uma espiada lá dentro — Onde será que isso vai dar?

— Eu não sei, Rosi, e acho que não quero saber — disse Gregory com voz esganiçada — A gente precisa encontrar os outros, e se os meninos do estágio estiverem fumando de novo?

— Ora, vamos, Greg! — respondeu Rosângela, ligando sua lanterna — O que podemos encontrar aqui embaixo pode ser muito melhor do que qualquer psico-ativo — continuou, descendo a escada vagarosamente.

— Ai, Rosi. Você e essa mania de Indiana Jones — disse Gregory descendo rapidamente atrás da esposa.

Quando estavam nos últimos degraus, a lanterna escorregou das mãos dela e apagou-se, deixando-os no mais completo e definitivo breu.

(Continua aqui)