quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Rotina II


E eis o que acontece.

A Rotina, aquela sóbria senhora burocrata em seu terno impecável estritamente bem alinhado, anda arrastando correntes às minhas costas feito assombração barata de filme de terror.

Os Pequenos Momentos Divertidos Do Dia-a-Dia tentam a todo custo afastá-la com suas estripulias coloridas e seus paninhos cintilantes. Rotina tem horror às coisas imprevisíveis e barulhentas, assusta-se ao menor sinal de descontrole e esconde-se atrás da porta opaca do Tédio. Os Pequenos Momentos Divertidos acham muita graça nisso, correm em sua frente e dão cambalhotas, sujando a casa com lantejoulas e fazendo bolhas caleidoscópicas, gargalhando desregradamente até caírem no chão.

Mas ela é persistente. Espera pacientemente pela inevitável ocasião em que os Pequenos Momentos Divertidos Do Dia-a-Dia estarão cansados e não pensarão em qualquer outra coisa se não suas próprias camas de sonhos cor-de-abóbora e então se sentará, pesada e afetadamente, em minha poltrona psicodélica preferida. Pedirá, ainda, uma xícara de café descafeinado e desatará a falar sobre como eu preciso limpar a minha casa, pagar o aluguel, e será que vai chover?.

Rotina é assim, pomposa e cheia de toques sérios e pedantes, mesmo. Ela até tenta ser simpática, mas não sabe conversar sobre nada que não seja prático, sério ou sem sal. E esse terno que ela insiste em usar, cirurgicamente bem passado e com essa cor anêmica de areia molhada, sinceramente, para quê? A quem ela quer impressionar? Se é a mim, ela deveria tentar outra coisa. Sim, é isso. Outra coisa. Talvez, se eu a convencesse a vestir algo mais colorido e menos alinhado, quem sabe...

Quem sabe.

...

Preciso de uma taça de aventura caleidoscópica ainda fumegante.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Porção de aleatoriedade nonsense travestida de tinta e de verbo da noite:



As bolhas de sabão guardam consigo
os fragmentos esféricos dos arco-íris
ofuscados pelo deus-rei Sol.

(As histórias que as mil cores contam, porém,
estão codificadas em hieroglifos gravados a ouro
na concha daquele velho e enfadonho caracol.)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Véu de Verão


Chove.
O Sol apaga-se e deixa o Dia travestir-se de Noite.
Cintila, ora aqui ora lá, ao som de estrondosos tambores, como mil vaga-lumes festejando o verão.
As nuvens pesadas de luto permitem-se, então, alegrar-se e choram uma fina cortina translúcida por atrás da qual o mundo pode ousar ser outro.
Um sarau desfocado de cores pastéis tem início -
do lado de lá do véu, Morfeu é o rei.