terça-feira, 5 de março de 2013

Esperando o ônibus

Esperando o ônibus, Cecília acendeu um cigarro. Sabia que não devia, que custava caro, que o benefício era nenhum. Mas, ainda assim, acendeu-o e tragou-o profundamente, mentindo para si mesma que seria o único.

Cecília esperava o ônibus como esperava a vida.

Não que não fizesse planos, ah!, como os fazia. Se fizesse uma lista de todos os objetivos que já tivera na vida seria preciso que uma floresta inteira fosse feita papel para abrigar seus sonhos em tinta. Planejara viajar, estudar culturas exóticas, conhecer outras civilizações, escrever um livro, ser atriz, tocar piano, ser professora, falar russo, aprender física quântica, plantar uma árvore e até casar-se e ter um filho. Planejara tantos caminhos, tantas promessas, tantos sonhos!

Mas era muito fácil imaginar. Sempre tivera uma imaginação fora do comum. Gostava de criar mundos fantásticos e realidades alternativas para passar o tempo. No plano das ideias tudo era sempre tão colorido, mágico, bonito! Bastava colocar os pensamentos em prática, porém, para que o ímpeto inicial se desvanecesse em uma nuvem cinzenta de cotidiano-sempre-igual-a-sempre e os outrora tão interessantes planos virassem apenas divagações. Nestas horas, a Rotina, aquela séria e sóbria senhora muito metódica e muito virginiana, instalava-se imediatamente em sua vida, descolorindo por completo o seu caleidoscópio de intenções.

E então esperava pacientemente pelo próximo final de semana, pelo próximo semestre, pelo próximo ano. Esperava desinteressada pela próxima chance de provar a si mesma que as coisas poderiam ser diferentes. Ou menos desinteressantes.

Ali, naquele ponto de ônibus, fumando seu primeiro cigarro do dia, percebeu que estava, de fato, farta de esperar. Cansara-se de viver apenas de sonhos. A partir daquele dia, daria uma grande reviravolta em sua vida! Colocaria em prática seus planos, desta vez. Estava decidia. Só precisava, agora, estabelecer qual deles seria o primeiro.

Quem sabe aquela viagem que sempre sonhara em fazer? Sim, essa ideia seria muito boa para ser colocada em prática em primeiro lugar. Mas, para isso, seria necessário ter algum dinheiro. Não sabia se o que possuía era o suficiente. Então, que tal trabalhar em alguma coisa extra para juntar esse dinheiro? Era muito boa cozinheira, poderia, sim, fazer alguns quitutes e vender no intervalo das aulas da faculdade. Mas para isso, também, ela precisaria dispor de algum tempo para poder cozinhar. E tempo era algo que estava cada vez mais escasso, especialmente depois de ter aceitado aquele estágio no escritório, alguns meses atrás. Estágio este, aliás, do qual já estava terrivelmente cansada.

"Vou largar essa bosta de emprego, então" pensou. "Aí terei bastante tempo para me dedicar aos meus bolinhos."

Sim, mas aí não teria mais o salário com o qual se acostumara e, consequentemente, vender bolinhos não seria mais uma fonte extra de renda, mas sua única fonte de renda. E então não poderia viajar. E então...

E então o cigarro apagou, o ônibus chegou e seus projetos foram, mais uma vez, devidamente guardados na gaveta empoeirada da vida cotidiana.

...

(Cecília continua esperando o ônibus da vida até hoje.)