quinta-feira, 28 de junho de 2012

Viagem Psicodélica Pós Quase Término Dos Trabalhos Finais

Escrevi esta história durante um surto de fim de semestre no primeiro ano de faculdade. Como estou passando por algo parecido esta semana e estou totalmente sem tempo de escrever qualquer coisa que não seja a forma de representação de mundo dos telejornais e a crítica modernista no século dezenove, publico-o aqui para apreciação geral da nação.

Aviso: Melhor visualizado sob o efeito de psico-ativos.

***

Estava eu dançando em um grande salão iluminado por fachos de luzes multicoloridas uma dança psicodélica ao som de Pink Floyd tocado por uma vitrola imaginária controlada por uma joaninha de óculos escuros cor-de-laranja.

- Quem pensou que tinha sentado no nabo no trabalho de Brasil Colonial?! – disse para mim mesma, dando um rodopio - Já é! Já é! Ninguém virou jantar, uh-uh! Ninguém virou jantar, uh-uh!

Saltei um duplo twist carpado e imitei uma dançarina de Hula-Hula.

- Hohohoho... PASSEIIII... sete no trabalho, oito na prova... uoooohhh! – gargalhei, andando como egípcia e balançado a cabeça loucamente - Sim, agora só falta saber como fui nas outras...

A música diminuiu.

- E terminar (ou começar) o trabalho de Ibérica...

A música cessou por completo.

- Que, aliás, é pra amanhã!

Estaquei no meio da sala e as luzes coloridas se apagaram, dando lugar a um irritante holofote com uma irritante luminosidade cujo irritante facho estava de uma forma particularmente irritante apontado para mim.

- AAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!! – não pude deixar de gritar, quando a joaninha de óculos escuros cor-de-laranja aumentou de tamanho e virou um enorme e terrível Gil Vicente com dedo em riste e expressão acusadora.

Tentei fugir, mas o chão abaixo de mim começou a dissolver-se e sugar-me feito areia movediça. Berrei outra vez, desesperada, arrancando os cabelos em uma busca frenética e vã de sair dali.

- A sociedade portuguesa desse período de monarquia absoluta – disse o monstruoso rosto de Gil Vicente no mesmo instante em que começava a ficar loiro e parecer-se com o Lenine - aparece com as viagens de descobrimento e a fixação do além-mar e termina, em boa parte, no final do século XVIII e com as revoluções liberais do começo do século XIX.

- AAAAAAAAARRRRRRRRRRRRRRRRRREEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!!!

O chão de areia-movediça estava me puxando cada vez mais para baixo, eu estava quase sufocada. Foi quando uma lagarta bigoduda veio navegando numa nau portuguesa do século XVI e parou ao meu lado.

- A senhora por acaso precisaria de ajuda? – perguntou-me do alto de seus bigodes pretos.

- Ah, não, não; imagina! Estou onde todo mundo sempre quis estar, não é?, sendo sugada por um chão de areia movediça! Quero dizer, é o sonho de todo mundo!

- Bem, para falar a verdade eu nunca sonhei com isso – ela me respondeu com uma sobrancelha erguida – Eu sempre sonhei que virava uma borboleta barbada e podia acampar no deserto do Atacama.

- É mesmo? Que interessante!

- Pois é. No Atacama, imagina! Bom, mas se você não está com problemas, vou perguntar pra outra pessoa. Desculpe incomodar.

- !!!

- Ah, e quase ia me esquecendo... – ela disse de novo retirando alguma coisa muito grande e muito pesada de dentro do seu bigode – Só pra garantir...

**POF!**

Sim, para os que não entenderam, ela bateu na minha cabeça com aquela coisa muito grande e muito pesada.

E sim, eu, obviamente, desmaiei.

Acordei o que me pareceram horas depois, com uma terrível dor de cabeça e em um lugar absurdamente surreal.

Estava deitada em um pufe macio e amarelo, feito com algum tecido esquisito que parecia ser composto de vários trapos de toalha esfiapados e muito usados.

Uma luz dourada iluminava um salão terrivelmente colorido, onde vários discos de vinil planavam felizes e esborrachavam-se uns nos outros.

No teto abobadado, pinturas renascentistas de anjos acenavam e piscavam os olhos para mim enquanto diabinhos fluorescentes espetavam-lhes as costas.

Tocava Beatles.

Levantei-me perguntando onde diabos estaria, e no mesmo instante um disco de vinil particularmente feliz deu um rasante muito próximo a mim, fazendo-me mergulhar de cara no chão.

Fechei os olhos, pressentindo a colisão com o frio piso de pedra cintilante que piscava a intervalos totalmente irregulares, mas a colisão não aconteceu.

Continuei de olhos fechados.

Já estava ficando de saco cheio dessa história surrealista, parecia uma viagem ácida, e eu estava totalmente sóbria!

Ok, estava um pouco fora de mim com a paranóia do trabalho que precisava terminar até a tarde seguinte, mas isso não poderia ser a causa de discos de vinil voadores, uma lagarta bigoduda e Gil Vicente virando minha professora de Ibérica.

E aquela dor de cabeça era muito, muito real!

Ora, pipocas! Eu precisava descobrir onde estava! Precisava sair dali! Precisava terminar o trabalho! Precisava ganhar na loteria! Precisava viajar o mundo inteiro! Precisava conhecer o Johnny Depp pessoalmente! Precisava... abrir os olhos, diabos!

Relutantemente, os abri.

O mundo (ou o que parecia ser uma cópia muito bizarra dele) dissolveu-se na minha frente, um tipo de escritório de redação de jornaleco se materializou e a lagarta bigoduda que me deu uma marretada na cabeça surgiu de trás de um ficheiro velho e mofado.

- Ora, a mocinha acordou! - disse ela - Tudo bem?

- Não.

- Que bom! – ela abriu um sorriso radiante, e em seguida franziu as sobrancelhas - Desculpa ter te tirado do seu sonho de areia movediça, mas, sabe como é, eu só trabalho aqui.

- ...

- Meu chefe já tá vindo aí, aí você fala com ele pessoalmente, tá?

- ...

- Por quê você não senta? - disse, apontando uma cadeira de praia de listras brancas e vermelhas e servindo-me uma bandeja com copinhos coloridos enfeitados com mini guarda-chuvas - Tome um suco, também.

Aceitei o suco. Estava ficando impaciente, a última vez que saí para uma viagem tão surreal quanto aquela as coisas não se sucederam de maneira muito agradável pra mim, no final das contas.

Ouvi então um barulho estrondoso de galope de cavalos, e o que me pareceram trombetas angelicais soaram.

- Oooooooláááááááá - disse uma coisa muito luminosa que entrou pomposamente no escritório, com uma voz em trovão.

- Ei chefe! Ela acordou! - disse a lagarta bigoduda.

A luz se apagou, revelando uma figura muito gorda trajando paletó e chapéu de mafioso.

- Ah, sério?! - disse o gordo de chapéu - Não me diga! Ora, pois me diga alguma coisa mais útil da próxima vez!

- Desculpa, desculpa, chefinho!

- Tá, tá. - a figura enorme voltou-se para mim - Desculpe, Karol. Ele estragou minha entrada triunfal, eu tinha até comprado um holofote pra fazer bonito, mas... enfim, não importa. Essa mosca do cocô do cavalo do bandido do filme de caubói americano contou-lhe o porquê de estar aqui?

- Ah... não... - respondi, meio desnorteada. Primeiro personagem maluco que eu encontrava e realmente sabia meu nome! - Como você...

- Ora, obviamente eu sei o seu nome! Você não sabe o seu nome? Eu posso dizê-lo para você, você se chama Ana Carolina, mas é mais conhecida como Kar...

- Eu sei o meu nome, obrigada.

- Então não há com o que se preocupar! Pois bem, então. Já que esse estrupício não lhe contou, terei eu mesmo que fazer o trabalho sujo.

A figura empinou o peito e pareceu ficar ainda mais enorme.

- Você está aqui exatamente pelo fato de estar aqui. Se você não estivesse aqui, não estaria, concorda?

Puxa, que grande revelação! Como não pensei nesse motivo antes?

- E o fato de você estar aqui - continuou pomposamente - significa que você não bate bem das idéias e precisa de um descanso.

Outra grande revelação. Francamente, eu ainda tinha que terminar o meu trabalho!

- Sim, sim, ok - falei - Mas acontece, enorme figura de paletó e chapéu de mafioso, que eu realmente preciso ir embora, certo? Tenho um trabalho para terminar e...

- Ora, justamente! Eu tenho a solução para isso! E você sabe que eu tenho, por isso veio até aqui.

- Na verdade eu vim porque aquela lagarta me deu uma cacetada e me trouxe para cá.

- Eu só trabalho aqui! - gritou a lagarta de trás de uma árvore de Natal.

- De qualquer forma, eu tenho a solução para seu trabalho - o cara gordo de chapéu de mafioso abriu uma gaveta verde-musgo de uma escrivaninha sorridente e tirou de dentro dela um frasco multicolorido e fumegante - Beba.

Ah, claro. Iria beber aquilo, sim. Com certeza.

- Obrigada, não estou com...

- É uma mistura mágica de ervas e absinto com aroma de limão, não há com o que se preocupar.

- Ah... então... você disse absinto?

Bem, aquilo não podia ser tão ruim, não é? Bebi.

Em seguida a lagarta bigoduda voou na minha direção e ficou pequenininha, entrando pelo meu ouvido.

As imagens ao meu redor começaram a parecer que eram feitas de vidro, vidro este que se estilhaçou em mil pedaços e derreteu em mil cores até tudo ficar branco, ofuscantemente branco.

Enquanto isso, pensamentos que nunca me ocorreram antes brincavam de ciranda-cirandinha em meu cérebro.

Tive um relance do sentido do Universo, foi-me visível a única forma de se acabar de vez com a fome e a desigualdade do mundo, pude compreender como funcionam as religiões e seus deuses, descobri o que era Deus, soube que o mundo ia acabar e que existe vida em outros planetas, pude perceber o quão ínfimo é o ser humano, quantos atos grandiosos foram vãos, como eu não sou nada e como o nada é tudo e o tudo é grande demais pra ser apreendido.

Todas as revelações possíveis me foram feitas, e eu senti que não poderia agüentar, que meus miolos estavam prestes a sublimarem em minha cabeça.

A lagarta bigoduda apareceu girando em espirais na minha frente, dizendo com voz fantasmagórica:

- Escolha... esqueça... escolha... esqueça...

Precisei ser rápida e forçar minha mente a esquecer toda a essência do que estava sendo revelado. Só podia manter comigo...

Uma luz piscou, eu fui jogada por uma janela e estava em meu quarto, sentada na frente do computador, com brilhantes (ou nem tanto assim) idéias para serem escritas em meu ensaio sobre Gil Vicente e a sociedade portuguesa em sua obra.

...

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Fué.

Existem certos momentos na vida em que nada faz sentido nenhum.

Dias em que você se sente o último farelo de Bis do pacote amassado que estava debaixo da cama.

Dias em que dá vontade de gritar, praguejar, comer todos os biscoitinhos amanteigados das lojas de conveniência dos Postos Ipiranga e sair sem pagar, queimando pneu.

Dias em que nada faz sentido, em que suas ideias só querem saber de cantar em lá sustenido e um barco escarlate com lantejoulas azuis navega em meio à tormenta nauseante dos pensamentos do seu cérebro.

Sabe aqueles dias em que você se pergunta o quê diabos está fazendo da vida e a possibilidade de virar hippie e vender bijuterias na praia é absurdamente convidativa?

...

Maldito fim de semestre.

XD

terça-feira, 26 de junho de 2012

Era uma vez... #1

Era uma vez uma linda flor cor-de-rosa.
Um dia um rinoceronte veio e passou por cima dela.
Fim.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Sinos

Abriu a janela e sentiu os últimos raios de Sol tocarem-lhe a fronte.
O céu estava cor-de-rosa, dourado, vermelho, violeta, azul, anil.
Um caleidoscópio de imagens invadiu seus olhos, dissolvendo-se num maremoto de formas coloridas.
Ouvia sinos.

Já era noite.
A Lua, crescente e canceriana, observava o mundo com a nostalgia dos Loucos.
O latido longínqüo dos cachorros e o cricilar tímido de alguns grilos eram os únicos sons que se ouvia naquela pequena cidade do interior.
E os sinos.
Os irritantes e insistentes sinos.

A madrugada ia solta.
Ela corria sem rumo pela ruas desertas e esburacadas da cidade, sob o olhar alaranjado e desaprovador das lâmpadas elétricas.
O som dos sinos ficava cada vez maior, as badaladas ecoavam assustadoramente altas em seus ouvidos.
E ela corria.

Começara a chover.
A imagem da grande igreja gótica iluminou seus olhos por alguns instantes. Ela parou.
A água escorria dos seus cabelos, seus sapatos estavam encharcados, ela tremia de frio.
Subiu a escadaria da igreja e abriu com estrondo a grande porta de entrada, quebrando a corrente que a mantinha fechada.
E os sinos, os desesperadores e insistentes sinos, continuavam a tocar.

No dia seguinte, a policia local encontrou a garota no altar da pequena capela da cidade.
Uma poça de sangue a circundava, havia talhos em seus pulsos.
Sua expressão era serena.
E os sinos, os alegres e simpáticos sinos, finalmente pararam de tocar.

...

(Águas de São Pedro, março de 2008)

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Considerações #1

(Ouvindo o álbum Piper at the Gates of Dawn do Pink Floyd)

Os magos coloridos presos em castelos de cartas meio desmoronados não podem fazer absolutamente nada por você, lembre-se disso.
A menos que um deles possua como animal de estimação um gato siamês de nome Lucifer Sam.
Aí, sim, as coisas podem ser ridiculamente diferentes.

...

Se você, por acaso, conhecer um gnomo barbado vestindo uma túnica vermelha e um capuz azul e verde que atenda pelo nome de Grimble Crumble, ofereça-lhe imediatamente uma taça de vinho bom.
Se você não o conhecer, bem, beba você mesmo a tal taça de vinho.

...

A questão é: não há questão.
Bem, talvez até haja, na verdade, uma questão; mas tal questão tornou-se de tal maneira tão inquestionável que hoje em dia ninguém mais se questiona se aquela não-questão não seria, em realidade, uma questão-questão.
Ou não.

...

Estranho é tentar explicar o que não tem explicação; loucos são aqueles que se consideram sãos.

...

42.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Vela


Iluminação!
Ideias de cera.
Será?

Transformação!
Têm cheiro de pera.
Quem dá?

Imaginação!
Comprada na feira?
Sei lá.

...

Os mosquitos é que têm uma vida decente: Voam em círculos em direção à luz e morrem sem pensar em nada, queimados e contentes.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Sobre Quando Conheci Os Seres De gravatas Púrpuras

(Aqueles que me conhecem há mais tempo já ouviram esta história. Publico-a aqui, reciclada e reescrita, porque... bem, e porque não? :P)
...

Certa noite fui abduzida por alienígenas. 


Lá estava eu, calmamente fumando um cigarro em minha varanda quando notei algumas luzes piscando ao longe no enevoado céu de São Paulo. Logo pensei ser um relâmpago, mas, bem, relâmpagos são brancos, não púrpuro-berrantes. Talvez fosse um avião. Mas aviões também não tem essa cor. Ou tem?

— Huuuum! — pensei, sorrindo — Quem sabe é uma nave espacial! Seria divertido conversar com uns alienígenas, assim, pra variar... olha, se vocês quiserem vir aqui trocar uma ideia comigo podem vir, viu, eu...  — continuei, em voz alta, fazendo uma piada comigo mesma.

Alguns segundos depois, parada em pleno ar na frente da varanda do meu apartamento, havia uma pequena nave verde-limão em formato de ovo, com faróis de cor púrpura berrante e uma pequena janelinha de vidro de onde algumas formas escuras observavam-me com interesse.

Segundos depois, uma dessas formas escuras abaixou o vidro da nave e apontou-me uma pistola cor-de-abóbora cheia de protuberâncias arroxeadas.

Segundos depois, eu estava inconsciente.

Quando finalmente acordei, vi-me deitada num luxuoso canapé vermelho que ficava encostado à parede de um quarto deveras aconchegante onde havia uma lareira, um tapete verde musgo, estantes de livros e música ambiente.

Pisquei os olhos algumas vezes. Aquilo não era possível, eu devia estar sonhando. Ou alucinando. Como eu havia ido parar ali? Por que eu estava ali? Onde, diabos!, era ali?

Levantei-me cautelosamente e, assim que o fiz, as luzes piscaram todas e o quarto se dissolveu como que num caleidoscópio, dando lugar a uma sala de controle tipicamente alienígena com botões tipicamente alienígenas e seres tipicamente alienígenas vestindo gravatas púrpuras tipicamente alienígenas.

- Ok. Não entre em pânico, Carolina, não entre em pânico... - pensei, prestes a, de fato, entrar em pânico.

Eis, então, que um daqueles seres tipicamente alienígenas virou-se vagarosamente em minha direção, abriu sua enorme boca cheia de dentes fosforescentes e disse:

- Ahn... é... a senhorita gostaria de uma xícara de café?

- !!!

Eu fiquei completamente embasbacada. Estava em uma nave alienígena tendo um contato de quarto grau com seres extraterrestres que estranhamente sabiam falar português e tudo o que eles me disseram foi: a senhorita gostaria de uma xícara de café?!

Quem diabos seriam aqueles caras? Por que eles me trouxeram a bordo de sua nave? Onde estariam indo? Como, por Zeus, eles sabiam falar português?

O estranho ser continuava a fitar-me com seus imensos olhos de bolas de tênis. Seu braço seguia estendido em minha direção com uma xícara de porcelana chinesa na mão. Ai, cacete, e agora, o que cargas d'água eu devia fazer?

Resolvi, então, aceitar a oferta, uma vez que, talvez, uma recusa pudesse ser vista como ofensa por parte dos meus anfitriões. Bebi, então, um pequeno gole do líquido preto, rezando por dentro para que aquilo fosse realmente o que conhecemos na Terra como café. 

De fato, para minha alegria, era café. E não estava nada mal, na verdade, só ligeiramente morno.

- É... - tentei um contato.

- Silêncio! - disse outro Ser, levantando-se e subindo em um banquinho - Saudações, terráquea - continuou - Leve-nos ao seu líder!

Oi?! Leve-nos ao seu líder?! Pohan, como assim? Essa era realmente a última coisa que eu esperava ouvir de um ser alienígena. Talvez eu estivesse em um filme de ficção científica de quinta categoria e não soubesse ainda. Onde estariam as câmeras?

- Hã... líder...? - balbuciei sem saber o que responder.

- É, mina! Líder! Tá ligada aqueles caras que comandam tudo, que são os reis da parada? Os fodões, saca?

Tive que esperar alguns minutos para digerir aquelas palavras, mais especificamente aquele linguajar. Os etês eram manos, rappers, então. Que coisa. Quem diria.

- Ahm... seguinte, mano... - comecei, tentando entrar no clima - a parada é que não têm líderes nessa joça, tá ligado? A não ser que vocês estejam querendo falar com o presidente dos Estados Unidos, saca, ele não é o fodão, manja, mas sempre acha que é.

- Ah... - os seres ficaram um momento em silêncio, sem saber como continuar.

- É o seguinte, terráquea - começou outro deles - Nós viemos em paz...

- Não, não, NÃO! - gritou o que ainda se encontrava em cima do banquinho - Tá tudo errado, não é desse jeito que se aborda um terráqueo! Vocês não se lembram do filme? Não era nada disso, não! E você, Mano Brown - continuou, virando-se para o que falava com vocabulário rapper mano - Será que dá pra parar de falar como os terráqueos do filme estúpido que você não pára de assistir?

Minha cabeça começou a girar. Só podia estar alucinando. Olhei em volta e notei algumas fitas de vídeo jogadas a um canto, cópias dubladas de filmes B de alienígenas e um ou outro vídeo dos Racionais MC’s e do Marcelo D2.

- Certo, isso explica muita coisa - pensei com meus botões - Os etês viram essas fitas, aprenderam o português de mano e tentaram um contato. Ah, é claro. Plausível. E o fato de que eu devo estar completamente alucinada, doida varrida e variada das idéias também.

Os tais seres com gravatas púrpuras entreolharam-se sem saber o que dizer. Eu estava meio zonza. Pensei então que, se estivesse de fato alucinando, o melhor a se fazer era entrar de cabeça na alucinação e deixar que ela se desgastasse por si própria. Ou não. Acontece que a única coisa que eu sabia naquele momento era que não sabia era de nada e, portanto, resolvi ser muito mais fácil entrar na onda dos etês e deixar para perceber que tinha ficado louca depois de descobrir em que maldita confusão eu havia me metido desta vez.

- Aí, pessoal - comecei, juntando os últimos traços de eloqüência que me haviam restado - E então, o que vocês gostariam de mim, exatamente?

- Ah, puxa, achei que fosse óbvio! - respondeu o ser do alto do banquinho - Queremos analisá-la, estudá-la e catalogá-la como amostra do espécime humano!

Epa. Aquilo definitivamente não era nada bom.

- Oi?! Como assim?! - exclamei, indignada.

- Hã... - começou outro dos seres, visivelmente constrangido - não é isso o que extraterrestres fazem?

Eu senti que não iria aguentar aquilo por muito mais tempo. Havia alguma coisa muito, mas muito errada ali, e não era só a minha cabeça. Será que aqueles seres estariam sofrendo de algum tipo de amnésia?

- Então - eu falei - Na verdade, extraterrestres não fazem nada disso, não... Achei que vocês soubessem, uma vez que vocês mesmos são extraterrestres, que esses filmes que vocês têm assistido são só ficção, sabe? Bobagenzinha pra diversão de final de semana, essas coisas...

- Ah, é mesmo? Puxa, sabe, é que estamos passando por alguns problemas de memória ultimamente, você entende? Não conseguimos nos lembrar direito o que foi que aconteceu, só que estávamos aqui nas proximidades desse planeta azul quando perdemos a memória, e aí para passar o tempo resolvemos arranjar alguma coisa para fazer, sabe, foi quando conseguimos essas fitas, e tal...

- Ah, eu entendo perfeitamente - eu disse - Mas é justamente isso o que os extraterrestres de verdade fazem, sabia? Digo, observar os terráqueos de longe, manter o mínimo contato possível, aprender sobre eles à distância...

- Aí, truta, quer dizer então que a galera aqui tava tudo no caminho certo sem saber, mano! - disse o tal Mano Brown - Curti, mina, tu é firmeza! - e continuou, virando-se para o outro - Aí, acho que é melhor mandar a princesa de volta pra casa, né não, véio?

- Só. Desculpe-nos, terráquea. Fique em paz.

E, no segundo seguinte, eu estava em casa mais uma vez.

...

terça-feira, 19 de junho de 2012

Encontro Com A Pequena Eu-Mesma De Nove Anos

Encontrei-me com a pequena eu-mesma de oito ou nove anos por estes dias. A garotinha gorducha que escondia os olhos tímidos por trás de uma grossa franja castanha observou-me com interesse.

- Então quer dizer que a gente realmente conseguiu superar o colégio? - ela/eu me perguntou, erguendo as sobrancelhas e dando um suspiro de alívio.

- Superamos isso e muito mais - respondi, abraçando-a/me.

Sentamos de pernas cruzadas no tapete da sala e conversamos por horas a fio, comendo leite condensado com chocolate granulado e ouvindo as músicas da fita do Brink Book.

- Mas, me diz, você tá feliz? - ela/eu me perguntou entre uma colherada e outra do melhor doce do universo da minha infância.

- Tô, querida eu-mesma. Continuo sem ter a mínima ideia do que diabos vamos fazer da vida daqui pra frente, mas tô feliz.

- Ah, relaxa. Eu também não conseguia e, veja, você é a prova viva de que isso não importa muito, no fim das contas.

Brincamos despreocupadamente a tarde toda. Inventamos histórias mirabolantes para encenar com nossas Barbies, desenhamos figuras psicodélicas com giz de cera colorido e tomamos Coca-Cola até as nossas barrigas doerem.

A pequena eu-mesma de nove anos foi embora surpresa por descobrir que havia mudado tanto.
A atual eu-mesma de vinte e três anos foi embora surpresa por descobrir que, passados tantos anos, nada realmente mudou.

...

(:

Pequena Eu-Mesma na época em que achei
que seria uma ótima ideia cortar sozinha
minha própria franja.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Saudade



Caiu com um baque surdo do lado de dentro do cemitério. Subitamente pareceu-lhe que todos os sons da rua haviam desaparecido. Estava só, cercada pelos túmulos.

O vento gelado balançou-lhe os cabelos negros e despenteados. Puxou para cima a gola da blusa e envolveu-se com o cobertor escuro e marcado. Pegou um embrulho tosco no chão e de dentro retirou uma garrafa de vinho barato. Bebendo um gole, sentiu o gosto ácido do álcool queimar-lhe a garganta.

Caminhou sem dificuldade pelas alamedas fracamente iluminadas à luz minguante da lua. Seu vulto escuro lembrava uma criatura notívaga saída diretamente do mundo dos mortos. O silêncio aterrador era quebrado apenas pelo farfalhar do vento nas copas das árvores.

Chegou ao centro. Uma grande cruz dourada erguia-se ereta, projetando agourentamente sua sombra sobre o tampo de mármore de outra sepultura. As árvores balançavam-se fantasmagoricamente.

Bebeu mais um gole de vinho.

As mãos brancas acariciavam a pedra fria do túmulo. Tirou uma vela do bolso e a acendeu. Aproximando-se da lápide, leu o epitáfio e contemplou outra vez a foto amarelecida.

Lembrou-se daquele rosto outrora cheio de cor. Os cabelos castanhos, os olhos brilhantes, as covinhas que apareciam nas bochechas morenas quando ria aquele riso contagiante, alto e colorido que só ela sabia dar...

Seus olhos vermelhos lentamente fecharam-se e abriram-se novamente, permitindo a fuga rápida de uma lágrima enegrecida pela maquilagem borrada.

Limpando o rosto, bebeu outros goles.

Sentou-se vagarosamente na sepultura e recostou-se na cruz. Aninhou-se apertando ainda mais o cobertor. Ficou alguns instantes assim. Imóvel.

Acendeu um cigarro e fumou-o avidamente até o filtro.

Pegou novamente a garrafa de vinho, ainda cheia pela metade. O cheiro adocicado e nauseante impregnou-lhe as narinas. Virou o líquido na boca, empurrando-o para dentro de uma vez só.

Atordoada, fitou a Lua. Pensamentos disformes passavam correndo pelo cérebro, fugindo de seu entendimento. Sensações de tristeza, pessimismo, desilusão. Angústia. Solidão.

Tirou do bolso um canivete. A lâmina fria brilhou branca com a luz do luar. Observou como que hipnotizada seus pulsos. Queria acabar com tudo. Desistir. Sempre pensava nisso. Não podia suportar mais as agressões do padrasto, a falta de amor, o futuro perdido.

O coração batia apertado quando se deitou ao lado da foto. Agora mais do que nunca sentia falta da mãe. Morta. Enterrada. Há dois anos. Quase esquecida. Nunca mais a veria, nunca mais, nunca mais, nunca mais...

***

O som dos passarinhos anunciava que o dia estava próximo. Acordando, ela abriu os olhos e pôde ver o céu azul cada vez mais claro. Sua cabeça zunia.

Levantou-se com dificuldade e recolheu seus pertences. O canivete, imaculado, estava caído ao lado da foto de sua mãe. Como sempre, não conseguira desistir.

Dirigindo-se para o muro do cemitério parou mais uma vez e olhou para trás. Ao mesmo tempo em que os primeiros raios de Sol tocavam sua fronte e uma brisa amena balançava seus cabelos, sentiu – podia jurar que sentiu – o peso carinhoso da mão de sua mãe em seu ombro.

Um fiapo de sorriso brotou em seus lábios, ao mesmo tempo em que as lágrimas vieram.

“Continue forte” pensou. “Ela está comigo. Sempre esteve. Sempre estará.”

...

domingo, 17 de junho de 2012

Alô?

(Este conto foi escrito para uma aula de redação quando eu estava no primeiro ou segundo ano do ensino médio. Publiquei-o no antigo Ideias Mirabolantes há eras, mas resolvi republicá-lo também aqui porque, bem, o blog é meu e eu publico aqui o que eu quiser. Desta vez não alterei nada, está exatamente como a Carol adolescente de nove anos atrás o escreveu. E se alguém quiser ver a mim e a minha irmã pagando O Mico Do Universo, aqui tem o link para o vídeo no Youtube em que estamos pseudo-encenando a conversa que se segue XD)

...

Era uma tarde chuvosa. O telefone tocava enquanto raios e trovões estremeciam a cidade. 

— Alô? — disse Catarina ao atender ao telefone.

— Alô! — respondeu a voz do outro lado.

O telefone chiava. A ligação estava péssima, devido ao mau tempo. Quase não se ouvia a outra pessoa falar.

— Gostaria de falar com quem? — continuou Catarina.

— Por favor, a Carolina está?

— Hã? Catarina? Sou eu, querida, quem é?

— Carolina? Oi! É a Telma!

— Celma? Oi amiga, há quanto tempo...

— O tempo? Tá horrível mesmo, tá vendo que chuva!

— Se eu comi uva? Não... que pergunta estranha! Mas, viu Celma, não sabia que você tinha meu telefone!

— O meu telefone? Mas você tem! Quer de novo?

— O que foi? A Ivone tá sem café com ovo? Quem é Ivone? Eu não estou entendendo bem, a ligação está horrível!

— O que você tá vendendo? Pichação comestível? Ih, Carolina, Não estou escutando bem... mas, assim, te liguei para saber se você vai mesmo na festa do Honório...?

— No velório?!? Credo Celma, você sabe que tenho pavor dessas coisas... nem no enterro da minha mãe eu fui!

— Hum? Que foi?

— Como que foi? Que horror... velório de quem, fazer o quê?

— Ah, vai toda a turma lá no Honório; vai ter bolo, brigadeiro, empada com presunto...

— QUÊ!? Ir pra tumba ser enterrada com o defunto?! Tá de brincadeira ou o quê, mulher?

— Brincadeira? É, podemos brincar do jogo do ovo na colher... mas com certeza eu vou perder, tenho um equilíbrio... mas então, você vai?

— Tá louca? É claro que não!

— Pô Carolina, é sempre assim! Você vai, me convida, chega na hora e diz que não vai! Depois eu que sou a estranha...

— Ei! Eu não sou uma barrica de banha! Você que é muito magra, parece uma máquina de churros!

— Heim? Quem carece de uma fábrica de urros? Olha, Carolina, você parece uma mosca morta! Nunca sai de casa! Se gosta de ficar aí mofando, ótimo, só não convide os outros para sair!

— Oh! Como ousa?! Sua lombriga assada!

— O QUÊ? E você que parece um urso peludo?

— Ah! Lambisgóia!

— Vaca!

— Galinha!

— Morcega de cemitério!

Nesse momento a chuva parou, e a ligação melhorou bastante.

— Ora, você me convida para ir à um velório e eu que sou morcega de cemitério?! — berrou Catarina.

— Eu te convidei pra um velório? Quando?

— Agora há pouco, no telefone... mas espera aí, essa não é a voz da Celma!

— Celma? Aqui quem fala é a Telma! E aí? Não é a Carolina?

— Não, é a Catarina...

— Ah, desculpa, então foi engano...

TU TU TU...

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Conjecturas Ébrias De Uma Noite Qualquer

É.
E aí você chega em casa à noite, nem é tão tarde assim.
Ou é.
Mas não importa.
Está bêbado. 

Os minutos voam indiferentes à sua cara chapada de olhar perdido. 
Os pensamentos são elefantes coloridos que patinam alegres no seu cérebro. 

Tem sono; não consegue dormir. 
Tem fome; não consegue comer.
Tem inspiração; não consegue escrever.

Fica com os olhos vidrados na tela do computador, os lábios ligeiramente abertos, a cabeça ligeiramente cheia de idéias.

Sabe muito mais do que poderia saber se estivesse sóbrio.
Sabe muito menos do que poderia saber se não estivesse vivo.

Daqui a algumas horas já não mais se lembrará da maioria destas conjecturas.

Então se pergunta, pra quê?
Por quê?
O quê?

Pensamentos vagos e desconexos simplesmente imploram para serem escritos.
Eles na verdade nem sabem o que são ou para que servem, só sabem que precisam ser escritos.

Bem, são mais ou menos como os seres humanos, não são?
Não sabem o que são ou para que servem, só sabem que precisam...

Precisam de quê?

Aquele velhinho na cadeira de rodas, cego e mudo, precisa de quê?
Aquela garota tímida e medrosa que vive a vida da mãe, precisa de quê?
Aquele garotinho doente terminal que nunca pôde ver o Sol, precisa de quê?
Aquela pessoa desnorteada que escreve essas palavras precisa de quê?
Aquela pessoa desnorteada que lê essas palavras precisa de quê?

Ninguém sabe, ninguém vai saber, nada disso interessa.

Interessante, mesmo, é o quão desinteressante tudo isso aí é.
Entretanto, quanto mais eu me desinteresso, mais interessada fico nos desinteresses que têm a maioria interessada da população.
Não sei se o problema sou eu e meu interesse desinteressado ou o mundo e seu interessado desinteresse.

Mas, e daí?

Só é certo que as borboletas verde-limão dançam valsa com as raposas de vestido de sabão.

...

quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Passeio Noturno Da Mulinha Caipira

A meia-noite de uma sexta-feira junina anunciava-se, friorenta e preguiçosa, enquanto a pequena mulinha caminhava despreocupadamente pela estrada de terra. Locomovia-se com vagar, pata ante pata, passeando tranquila pelos ermos sítios interioranos. Conhecia bem o caminho, utilizava-o noite após noite como campo de passeio para fortalecer os músculos de suas finas pernas atarracadas. Seu pelo cinzento brilhava na garoa fina, fazendo-a parecer, como alguns de seus colegas de fazenda haviam dito, um unicórnio cintilante. Não que soubesse, exatamente, o que diabos significaria parecer-se com um unicórnio cintilante. Mas parecia ser algo bom, no fim das contas. As galinhas que lhe confidenciaram isto possuíam um bom coração. E ela gostava de coisas boas, para falar a verdade. Coisas boas faziam a vida boa, como aquela boa caminhada noturna, na mais completa e deliciosa solidão.

E lá estava a nossa amiga mulinha aproveitando ao máximo sua própria companhia quando eles apareceram. Vieram em algo luminoso e barulhento, rindo histericamente e fazendo grandes sulcos na terra molhada. Retiraram impiedosamente algumas pedras que serviam como ponto de base e encurralaram a pobre mulinha em uma ribanceira. Ela não sabia o que estava acontecendo, o que deveria fazer ou como sairia daquela situação. Aquilo definitivamente não era uma coisa boa. Não, realmente não era.

Com o coração acelerado, a mulinha deu alguns passos incertos até uma cerca de madeira. Seu coração disparara, precisava se recompor. Nunca antes havia passado por algo como aquilo. Quem seriam aqueles seres? O que será que eles poderiam querer com uma pacata mulinha como ela?

A máquina luminosa aproximou-se, deixando o som das gargalhadas e dos metais distorcidos mais alto. A mulinha contou pelo menos cinco seres escuros com olhos brilhantes dentro dela. O quê diabos seriam eles?

A mulinha lembrou-se, então, com o coração apertado, das histórias que seu colega peru contava antes de desaparecer por completo em uma véspera de Natal. Eram histórias sobre seres de outros planetas e das estrelas distantes do céu noturno que apareciam de tempos em tempos nas fazendas do mundo para sequestrar os animais e fazer experiências terríveis com seus cérebros e tripas ou expô-los em zoológicos intergalácticos sem comida decente por milhares de anos a fio ou até que morressem de fome.

"Meu Fazendeiro Divino!" pensou a mula "Estou prestes a ser abduzida por alienígenas!"

Um dos seres que estavam dentro da máquina luminosa abriu magicamente uma janela de vidro e colocou para fora um aparelho cintilante.

"É agora" pensou a mula fechando os olhos "Adeus, Terra. Adeus, fazenda. Adeus caminhadas noturnas. Adeus..."

Clique. Risadas. Roncos de motor. Silêncio.

A mulinha abriu hesitantemente os olhos. À sua volta, apenas as conhecidas árvores e pedras de sempre. A terra em que pisava estava um pouco bagunçada, é verdade, mas, fora isso, tudo na mais perfeita normalidade.

Ela não fora abduzida, no fim das contas. Mas uma experiência como aquela ficaria para sempre guardada em sua memória. Ela nunca mais seria a mesma. Aquela mulinha tranquila e pacata que gostava das coisas boas da vida havia acabado de morrer.

...

Daquele dia em diante, a mulinha passou a intitular-se A Enviada Do Fazendeiro Divino e pregar insistentemente que o Fim do Mundo estava próximo e todos os que não se arrependessem de seus pecados e aceitassem a palavra divina do Fazendeiro seriam levados pelos Terríveis Alienígenas Gargalhantes para o outro lado da galáxia e arderiam eternamente em plantações de cana extraterrestres até o dia do Juízo Final.


XD

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Ai, que Preguiça.

Acordei hoje cedo e lá estava ela.

Cabelos despenteados, roupas largadas e pantufas de patas de dinossauros.

Mal levantara-me e ela já pulara apressadamente em meus ombros, pesando por volta de uns duzentos e vinte e oito quilos e aconchegando-se desconfortavelmente entre as minhas omoplatas.

- Bom dia, Carol - disse-me ela, acendendo um cigarro e indicando que não sairia de onde estava assim tão cedo - Por quê você não fica na cama mais uns cinco minutinhos? Tá tanto frio, o edredom tá tão quentinho, você tá com tanto sono...

- Porra, Preguiça. Não tem mais ninguém no mundo pra você atazanar?

- Até tem. Mas ninguém me ama tanto quanto você.

...


...

Ai, que preguiça.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Considerações de um Gato e sua Cartola

Em uma tarde ensolarada, um Gato e sua Cartola resolveram sair para um passeio vespertino.

De mãos dadas, observando a Dança da Chuva das Gaivotas em frente ao Monumento Nacional dos Berguelotes, perceberam finalmente o quão mundano o mundo é.

Voltaram para casa às cinco em ponto, batendo o ponto dos cinco condes desfigurados que viriam para tomar chá de boldo e espanando as últimas metafísicas poeirentas do busto do Rei Salomão.

Enquanto comiam bolinhos de limão com açúcar e bebiam cogumelos doces, surgiu o assunto que tanto os afligia:

— Já reparou em como o nosso jardim anda preto e branco?  —  perguntou a Cartola, acendendo um cigarro.

— Ora essa, eu pensei que andassem com muletas — respondeu o Gato, erguendo uma sobrancelha  —  Você não engessou ou girassóis e as violetas na semana passada?

— Engessei  —  respondeu a Cartola, soprando pequenos anéis coloridos de fumaça  —  Acontece que eles perderam a cor.

— Sim —  disse o Gato, bebendo um gole de seu chá pensativamente —  Pelo menos as flores sem cor têm perfume.

Silêncio.

— O que será que pensa uma borboleta preta?

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segunda-feira, 11 de junho de 2012

Sobre os Sacanas Que Controlam O Destino Da Humanidade

Você já parou para pensar em como os seres que controlam o destino da humanidade conseguem ser definitivamente sádicos e sacanas?

Imagine uma sala circular no topo de uma torre de altura incalculável.

Imagine cortinas furta-cor caleidoscópicas, grafites coloridos nas paredes, vídeo-games de realidade virtual conectados vinte e quatro horas por dia, jogos de tabuleiro revirados, revistas de histórias em quadrinhos e livros de filosofia espalhados no tapete, pacotes de salgadinhos pela metade, garrafas de cerveja vazias e maços de cigarros meio amassados jogados pelo chão.

Imagine várias janelas ovais com telescópios apontados para todos os territórios da Terra e alguns seres indefiníveis largados em poltronas coloridas e confortáveis vestindo bonés de beisebol, óculos escuros e tênis All Star.

- Mano! - diz um destes indefiníveis seres - Que tédio!

- Podiscrê - responde o outro, que usa um moicano verde na cabeça - Quer jogar mais uma partida de Street Fighter, Bob?

- Ah, Zod - responde o primeiro - Tô de saco cheio, já.

- Caras - diz um terceiro, de barbicha, enquanto fumava na janela - Vocês tão ligados que tem uma galerinha esquisita lá em baixo, não?

- Uma galerinha esquisita? - diz o que se chamava Zod - Como assim, Tod?

- Se liga, olha lá! Será que eles veem a gente?

- Vixe, acho que não - diz Bob, acenando entusiasticamente pela janela - Da onde esses trecos vieram?

- Sei lá, mano. Vai ver foi a cinza desse cigarro horroroso do Tod que criou vida - responde Zod.

- Véi - diz Bob dando um pulo com os olhos brilhando - Será que a gente consegue brincar com eles?

- Brincar? Como assim?

- É! Tipo fazer chover bem no dia em que eles marcaram de ir à praia. Ou colocar umas ideias malucas nas cabeças deles para ver o que acontece depois. 

- Manolo, isso vai ser muito divertido!! - diz Zod, animado, abrindo uma garrafa de cerveja e sentando-se em frente a um dos telescópios - Quem é que vai buscar as pipocas?

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Bob, Zod e Tod: Os Sacanas Que Controlam O Destino Da Humanidade
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É, véi. Eles devem estar se divertindo horrores, agora.

XD

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Blém, blém, blém.


Os sinos da igreja badalaram novamente.

Blém.

A madrugada segue serena.

Blém, blém.

Ninguém para falar-me, ninguém para ouvir-me.

Blém, blém, blém.

Os sinos da igreja badalaram novamente.

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(São Pedro, 23/12/05)

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Máscaras



Máscaras

De mil cores pintadas,
Rabiscadas, 
Com fitas enfeitadas.

Desenhadas.

Máscaras
De mil jeitos decoradas,
Rasuradas, 
Muito ou pouco usadas. 

Ousadas.

Máscaras 

Dramaticamente arranjadas,
Mal acabadas, 
Incrivelmente fragmentadas.

Blindadas.

...

São Paulo, 17 de abril de 2007.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Superproteção

Diana era uma garota comum. Tinha um rosto comum, um corpo comum e uma personalidade comum. No auge dos seus dezessete anos, estudava para prestar vestibular e fazia aulas de inglês na rua em frente da sua casa. Suas diversões aos finais de semana eram ir à casa da avó junto com sua mãe, comer sorvete de chocolate junto com sua mãe e assistir a comédias românticas na tevê junto com sua mãe.

Diana não saía à noite. Não bebia, não fumava e nunca experimentara qualquer estado alterado de consciência. Não ia a festas, tampouco, nem conversava com garotos. Ou com garotas. Não gostava dessas coisas. Não faziam bem para a saúde, não eram coisa de moça direita. O mundo fora de sua casa era muito perigoso. E todas as pessoas em geral eram cínicas e interesseiras. Não valia a pena relacionar-se com ninguém, no fim das contas. Exceto, talvez, com sua mãe.

Ou, pelo menos, era isso o que ela sempre lhe dissera. E, bem, se sua mãe dizia, devia mesmo ser.

Um belo dia, logo depois de completar dezoito anos, Diana finalmente passou no vestibular. Faria administração em uma relativamente bem conceituada faculdade particular. Sua mãe não se conteve de felicidade, sua filhinha passara na mesma universidade onde ela própria lecionava! Eram cursos diferentes, de fato, ela era professora do curso de economia. Mas, ainda assim, elas poderiam ir para a faculdade juntas, almoçar juntas, voltar para casa juntas! Seria maravilhoso!

Passado pouco mais de um mês do ano letivo, porém, Diana recebeu a notícia de que havia passado na segunda listagem do vestibular de uma universidade pública cujo ensino era definitivamente muito melhor. O nome dela em seu diploma lhe abriria todas as portas importantes do mundo profissional. Mas estava apreensiva. Como seria enfrentar uma universidade com padrões tão altos como aquela? Como seriam seus colegas, seus professores, sua vida naquele lugar? A universidade ficava na mesma cidade onde morava, a mudança não seria assim tão grande. Mas teria de aprender a respirar por conta própria, ali sua mãe não estaria com ela o tempo todo. Diana não sabia se estava preparada para isso.

A mãe de Diana disse que havia ficado muito orgulhosa e que, obviamente, a filha deveria mudar de universidade. Seria muito melhor para seu currículo. E não ficaria bem para a vizinhança se Diana continuasse naquela faculdade particular tendo passado em uma das melhores universidades da América Latina. Estaria tudo bem, desde que ela ficasse sempre atenta a todos os perigos existentes em um lugar tão amplo e diverso como o que iria frequentar. Muita coisa ruim poderia acontecer, sempre, e ela não podia esquecer-se disto nunca.

O primeiro dia de aula foi uma experiência terrível. Ela não sabia como se comportar, com quem conversar, o que dizer. Tinha medo de errar, de não ser aceita, de não ser capaz. Estava hesitante, distante, completamente perdida naquele mundo imenso e completamente novo.

Mas as coisas acontecem como tem de acontecer. No fim da primeira semana, Diana conheceu uma moça que, a princípio, desaprovou completamente. Era negra, usava dreadlocks nos cabelos e fumava muito. E tinha o apelido de Banza, veja só! Sua mãe definitivamente a aconselharia a não se aproximar de um tipo como aquele. A moça, contudo, mostrou-se muito simpática, ajudando Diana com as matérias passadas e apresentando-a ao resto da universidade.

Diana gostou muito daquela moça. Das outras pessoas com quem acabara convivendo no espaço da faculdade também. Mas com Banza, em especial, descobriu que desenvolvera um tipo de carinho específico. Talvez fosse o fato de que ela era exatamente o oposto do que sua mãe acharia uma boa companhia. Talvez. Talvez fosse isso.

E então, em uma noite quente de sexta-feira, Diana resolveu participar de sua primeira festa. Sua mãe não a proibiu de ir, apesar de enumerar pelo menos cinco vezes os riscos aos quais Diana estaria exposta em um ambiente como aquele. Ela quase desistiu, é verdade, mas Banza conseguiu convencê-la de que seria uma experiência muito interessante. Disse que o ambiente acadêmico não se resume a sala de aula e que o dinheiro arrecadado com o evento na faculdade seria para a formatura do pessoal. E disse também que, se alguma coisa desse errado ou Diana não estivesse se sentindo bem, ela a levaria para casa depois sem problema algum.

Diana divertiu-se naquela noite como nunca antes divertira-se na vida. Resolveu até experimentar um gole de cerveja, assim, só para não dizer que nunca havia provado. E descobriu que não era de todo ruim. Bebeu algumas latas, experimentou um trago do cigarro de sua amiga, deu um gole no que disseram ser algo como "gasolina de avião". Dançou como se ninguém estivesse olhando. Conversou sem apreensão com todas as pessoas que lhe sorriam. E, quando o dia já estava quase raiando e Banza a levava de volta para casa, fez algo que nunca antes havia passado em sua cabeça: beijou sua amiga demoradamente, como se não houvesse amanhã.

Quando Diana deitou-se na cama para dormir naquela manhã, descobriu com um choque que estivera acorrentada durante toda a vida. Percebeu que tudo o que pensava era fruto do que sua mãe dizia e que toda a sua personalidade havia sido desenvolvida em torno dos julgamentos únicos de sua progenitora. Compreendeu que nunca antes fizera absolutamente nada por conta própria e que todo o seu medo do mundo vinha exatamente desta superproteção.

No dia seguinte, Diana fugiu de casa.

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segunda-feira, 4 de junho de 2012

Insônia


Insônia.
Maldito sono que não chega!

Tento contar carneiros.
Um, dois, três.

E no relógio, andam os insistentes ponteiros.
Quatro, cinco, seis.

Travesseiro e lençóis revirados,
Pensamentos ao acaso espalhados.

A madrugada vai passando...
O galo vai cantando...

E na fria hora que antecede a Aurora
A maléfica insônia finalmente vai-se embora.

Vem o sono, todo contente.
Toca o despertador, horrivelmente indiferente.

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sexta-feira, 1 de junho de 2012

Passa a Porta


Vem,
Passa a porta.
Não tenhas medo,
O que vês não passa da tua imaginação.
Não hesita, atravessa;
As sombras que se alongam são mera ilustração.

Vem,
Passa a porta.
Não te detenhas demasiadamente  na soleira.
O que tens tu a perder?
Para tudo há-se uma maneira,
Mas não é permitido a ti escolher.

Vem,
Passa a porta.
Respira fundo e sente o invisível;
Não olhes para trás.
Deixa que aconteça o inevitável;
Tu sabes bem do que és capaz.

Vem,
Passa a porta.
Estica a perna e perpassa a linha demarcada.
Para quê esperar?
Nada é tão certo como parece;
Há muito mais do outro lado do que poderias imaginar.

Vem,
Passa a porta.
Deixa de bobeira e anda logo;
O tempo é relativo, mas não para ti.
Cruza depressa a porta,
Não percebes que teu lugar não é mais aí?

Vem.
Passa a porta.
Pura e simplesmente
Vem
E passa a porta.

São Pedro, 05 de novembro de 2007


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Obs: As palavras brigaram comigo hoje de manhã. Disseram que eu levo todo o crédito por estórias e poemas que em verdade não seriam nada sem elas e foram embora batendo a porta e gritando impropérios. Enquanto elas não voltam - porque, no fim, elas sempre voltam, bêbadas e desconexas, chorando e pedindo desculpas, assim que o dinheiro delas acaba - resolvi publicar aqui mais um dos meus pseudo-poemas escritos na época em que a poesia que a gente não vive transformava o tédio em melodia.