sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Não Tenho Tempo!


Nascimento prematuro.
Escola, inglês, informática.
Casa.
Jantar, estudar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para ser um adulto bem sucedido.

Juventude.
Faculdade, livros, estágios.
Casa.
Jantar, estudar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para arranjar um bom emprego.

Vida adulta.
Trabalho, carreira, escritórios.
Casa.
Jantar, trabalhar, dormir.
Vamos sair? - Não tenho tempo!
Preciso dar duro para ganhar cada vez mais dinheiro.

Café, olheiras, papéis.
Contas, contas, contas.
Trânsito, estresse, irritação.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro.

Família? - Não tenho tempo!
Amigos? - Não tenho tempo!
Namorada? - Não tenho tempo!

Estou atrasado, está tarde, preciso correr!

...

Velhice.
Solidão.
Morte.

Não deu tempo.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tique-taques


Tiquetaque-tiquetaque-tiquetaque.

Tiquetaqueamos
Tiquetaqueando
Tique-taques
Que tiquetaqueiam.

Tiquetaqueemos, pois.

Tique.
Taque.
Tiquetaque.
Tiquetaque-tiquetaque-tiquetaque.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Futuro


Ah, Futuro!

Por que me olhas assim, meio de lado, com tal sorriso enigmático?

Por que me abres a cortina do Destino por meio segundo e foges em seguida, rindo histericamente este riso gelado acompanhado de teu sempre focado cavalo alado?

Não, não te quero conhecer, Futuro.
Já te disse. Não quero.

Não me venhas com estas brincadeiras fugidias.
Não me cortejes como a uma rameira do século dezenove.
Não me ofereças vinho barato nem me tires para uma dança com ratos engravatados.

Deixa-me, Futuro.
Deixa-me só.
Deixa-me apenas terminar tranquilamente meu último cigarro e beber em paz o meu último gole de uísque.

...

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Beû-deh-råanismo

Rito de celebração do culto à Bhrëdjah.

Beû-deh-råanismo (do embriaguês tradicional Beû-deh-råa, estado de consciência alterado em conexão com o divino) é uma religião filosófica mono-politeísta fundamentada na concepção do Carpe Diem cujas crenças e rituais comportamentais baseiam-se nos ensinamentos meditados pelo monge filósofo Bottkho Bähr.

Bottkho Bähr, organizador dos fundamentos beû-deh-råasiviveu e desenvolveu seus mandamentos durante o período medieval em um mosteiro na atual Alemanha.
Bähr afirmava ter recebido um chamado divino de Bhrëdjah, a Grande Deusa de Älkholl, durante um transe que lhe foi por ela mandado enquanto confraternizava em uma taverna da região. Em sua demanda, a divindade instruía-o a pregar a Beû-deh-råa como uma religião de fraternidade, amor, confraternização e, por quê não?, diversão.
O monge levou o chamado da divina Bhrëdjah muito a sério, dedicando toda a sua vida à pesquisa dos conceitos beû-deh-råasi, à criação de rituais de aproximação com o divino e à arrecadação de fiéis para seu recém-fundado culto.
Morreu cedo, porém, de alguma doença desconhecida no fígado.

Deuses e crenças
De acordo com a religião beû-dheh-råasi, no princípio do Universo havia apenas uma imensa poça de líquido transparente e inebriante. A partir dela, a fim de exaltar Toda A Sua Grandeza Infinita e Todo O Seu Poder Universal, a Prima-Entidade Älkhoollikha fez com que surgissem as chamadas Divindades Primordiais Menores, personificando as principais facetas de sua personalidade um tanto quanto esquizofrênica.

Entre inúmeras outras, as Principais Divindades Primordiais Menores Surgidas Da Poça Inebriante Primordial Pela Palavra Da Prima-Entidade Älkhoollikhan são:

Bhrëdjah, a Grande Deusa, a primeira entre os primeiros.
Cultuada de diversas formas por diversas populações de países bem diversos como Brasil e Alemanha.

Wynnhö, o Grande Deus, o sangue de todos os sangues.
Sua versão popular é muito celebrada por adolescentes, mas seu culto mais reconhecido ocorre no Porto, em Portugal.

Uyhskyii, deus do poder, do dinheiro e das coisas materiais.
Muito invocado pela alta burguesia, alta aristocracia e alta hipocrisia.

Rwuhn, deus das viagens, dos mares e oceanos.
Celebrado especialmente por mercadores marítimos, corsários e bucaneiros.

Phyng-aäh, deusa da agricultura, do campo e das coisas simples da vida. À época da colonização brasileira, era também padroeira dos escravos.

Wvodhkcå, deusa do frio, do inverno e da neve.
Cultuada na sua forma mais pura nas regiões geladas da Rússia.

Llyckhôur, deus da espirituosidade, da elegância e da doçura da vida.
Muito celebrado pela nobreza.

Âbbsy-nntoh, deus do submundo e das alegorias psicodélicas.
Apreciado por alguns e temido por muitos.

Cultos
Os cultos beû-dheh-råasi são reconhecidos mundialmente pela sua descontração, sociabilização e interação.
A frequência com que costumam acontecer depende muito do quão devoto é o fiel que o organiza, variando de uma a sete vezes por semana.

Durante as celebrações, costuma-se ingerir uma determinada quantidade de poção inebriante que ativa a capacidade dos devotos de se comunicarem com as essências da personalidade da Prima-Entidade Älkhoollikha .
Para cada uma das Principais Divindades Primordiais Menores Surgidas Da Poça Inebriante Primordial Pela Palavra Da Prima-Entidade Älkhoollikha que se queira celebrar há um líquido específico diferente que deve ser consumido durante o ritual a fim de alcançar o nirvana e cultuar as altas concepções filosóficas desta antiga religião.

Os principais rituais de adoração podem ser divididos nas categorias Doméstico ou Bährístico.
Os ritos domésticos são celebrados por grupos de conhecidos em seus próprios domicílios, sem necessidade de mediação sacerdotal para a ingestão do líquido sagrado e para o encontro com o divino.
Os ritos bährísticos (em alguns locais também conhecidos como bottkhísticos) são realizados em templos especializados e mediados pelos sacerdotes Gharrssönns, responsáveis por oferecer aos fiéis a poção sagrada de culto.
Há, também, os rituais público-praçais, muito praticados por adolescentes residentes em pequenas cidades interioranas e devotos que sofrem de falta de riqueza crônica, nos quais as rodas de fiéis encontram-se nas praças da cidade e ali mesmo celebram o divino abertamente.

Obs. I: O Líquido Sagrado Da Vida, ou Poção Inebriante De Culto, ou Venerável Bebida Älkhoollikha, se ingerida em excesso, pode ocasionar náuseas, apagões mentais e vergonha moral em nível extremo.

Obs. II: É terminantemente proibido o manejo de automóveis, máquinas pesadas e torradeiras elétricas durante ou após cada um dos cultos.

Obs. III: Hoje é sexta-feira. VAMUBEBÊ!

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

A Menina Sem Rosto


Acordou um dia e não sabia mais quem era ou o quê diabos estava fazendo ali. Sua máscara havia caído e ela não possuía mais um rosto.

Olhou-se no espelho e não se reconheceu: quem seria aquela essência quase em branco que a observava estranhamente com um sorriso irônico nos olhos castanhos?

"Eu" pensou, respirando profundamente. "Finalmente eu."

Redescobrindo a si mesma em cada passo, pegou a máscara que havia-se descolado e guardou-a em uma caixa de sapatos.

Saiu à rua em seguida, ainda sem rosto, ainda sem encosto, ainda sem direção.
(Saiu à rua da forma como sempre quis.)

Os seres mascarados enfileirados nos passeios urbanos não entenderam, apontaram-na, fizeram-lhe caretas, disseram-lhe impropérios.

Ela nem se importou.

No meio da massa dissimulada, era a única que podia ter quantos rostos quisesse.

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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Rotina

Cheguei em casa por estes dias e lá estava ela.

Entrou sem pedir licença, sentou-se pesadamente em minha poltrona cor-de-abóbora e acendeu um charuto.

Muito séria e muito sóbria, com sua gravata cor de areia e seu terno de risca de giz muito bem alinhado, observou-me inexpressiva enquanto baforava sua fumaça sem cor.

Era a Rotina, pomposa funcionária pública burocrata, ocupando um espaço que não lhe foi oferecido e pedindo-me gentilmente que lhe oferecesse uma xícara de café descafeinado e sem açúcar.

Tentei persuadi-la educadamente a se levantar, tentei arrancá-la dos meus dias à força.

Nada adiantou.

Lá está ela, ainda, comportadamente sentada em meu sofá psicodélico, fumando charutos sem sabor e remexendo papéis impecavelmente brancos.

Vez ou outra inicia uma quase conversa acerca do clima ou da peculiar situação de se esperar elevadores em companhia de desconhecidos.

Não parece querer se levantar tão cedo.

(Para meu desespero.)

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sábado, 18 de agosto de 2012

O Segredo Do Cobrador

(Conto originalmente publicado no meu antigo blog Ideias Mirabolantes. Resolvi republicá-lo aqui porque este é, de longe, um dos meus escritos preferidos e, por isso, não merece ser deixado ignorado e longe de seus irmãozinhos em um endereço eletrônico que ninguém mais acessa.)


***

O despertador tocou. Josimar abriu com dificuldade seus olhos verde escuros e tentou focalizar os ponteiros luminosos do seu rádio-relógio. Quatro e quinze da manhã. Hora de levantar, colocar o uniforme, comer os farelos do jantar e ir para o trabalho.

Josimar era cobrador de ônibus há uns oito anos, e era só. Todos os dias, de domingo a quinta, acordava antes das cinco horas da manhã, chegava cedo no trabalho, distribuía pequenas doses de automáticos “bom-dias” aos colegas de trabalho e às pessoas sem rosto que entravam e saíam de seu ônibus durante o dia, voltava para o apartamento na periferia que herdara dos pais no final da tarde, assistia a novela das oito que começava às nove na pequena televisão de quatorze polegadas, jantava qualquer coisa congelada e ia dormir antes das onze. De domingo a quinta Josimar simplesmente existia, fazendo exatamente tudo o que pelos outros era esperado que fizesse: Josimar, o que nunca se atrasa; Josimar, o que nunca erra no troco; Josimar, o Funcionário do Mês.

Ele levantou-se preguiçosamente e vestiu a camisa azul clara, a calça jeans surrada e os All Star vermelhos. Sim, hoje era dia de usar aqueles tênis vermelhos. Hoje não era um domingo ou uma quinta-feira qualquer, era sexta. Ah, a tão esperada sexta-feira. O dia em que Josimar finalmente poderia ser ele mesmo.

Passou um café fraco, comeu um pedaço de um pão doce que encontrara no armário e saiu, assoviando, para trabalhar. Até os seus “bom dias” ficavam menos automáticos às sextas-feiras. Talvez fosse coisa dos tênis vermelhos, diziam alguns de seus colegas. Talvez fosse a mágica psicológica das sextas-feiras, diziam outros. O fato era que até mesmo o dia de trabalho passava mais rápido para Josimar às sextas-feiras.

Era fim de tarde, já, e Josimar caminhava alegremente de volta para seu apartamento. Olhou em seu relógio de pulso, seis horas. Ele tinha exatas três horas para fazer tudo o que precisava ser feito para seu compromisso da noite. Dessa vez teria carona, graças a Deus, e não precisaria fazer tudo correndo. Hoje ele teria todo o tempo do mundo para se preparar.

Chegou em casa, tomou um demorado banho e, ainda de toalha, abriu aquela parte do armário que só era aberta naquele dia da semana. Destrancou as gavetas vagarosamente, como sempre fazia, curtindo cada momento, e puxou-as para si.

Depois de quase duas hora de indecisão, finalmente conseguiu escolher uma roupa que achou servir direitinho para aquela ocasião. Agora faltavam apenas os retoques finais na aparência e em alguns minutos já estava pronto.

Olhou-se no espelho e sorriu. Sim, aquele, sim, era seu eu verdadeiro. O vestido alaranjado, com detalhes em magenta cintilante e cheio de lantejoulas caía-lhe muito bem nas costas, alongando sua silhueta e dando-lhe um ar meio vintage. A maquilagem colorida em seus olhos verdes ressaltava seu olhar, propiciando-lhe sensualidade e mistério. E a peruca, ah!, como gostava daquele cabelo acobreado caindo em cachos pelos seus ombros! E os garotos da boate, lembrou-se com um sorrisinho, aqueles com certeza também gostavam.

O interfone tocou; sua carona chegara. E, finalmente, depois de seis dias sendo exatamente quem queriam que ele fosse, ele poderia ser, durante toda a madrugada daquela sexta-feira, quem ele realmente era. Deixava, então, de ser simplesmente Josimar Guimarães dos Santos Silva, cobrador de ônibus e funcionário do mês, para ser Lady Katrynna Glamourosa, a estrela de dança sensual por quem os garotões sempre se apaixonavam da boate drag Rainha da Cidade Pink.

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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A Criação


No princípio, era a Água.

Não havia sensação alguma.

Apenas Água.

Aos poucos, formou-se no horizonte um pequeno ponto brilhante.

Não que aquele fosse, realmente, o Horizonte, ou que o pequeno ponto brilhante fosse, exatamente, um Pequeno Ponto Brilhante.

Mas era alguma coisa; alguma coisa que abalava a estaticidade entediada da Água.

E aumentava.

Cada vez maior, cada vez mais brilhante.

Cada vez mais perto.

Um som surdo, absurdamente alto e quase que completamente imperceptível, começou a tomar forma.

Era o Som do Silêncio.

O Som do Silêncio Vivo.

A Água agitava-se.

Tons de azul e violeta tomavam lugar na transparência das bolhas que se formavam.

Um frio metálico foi sentido por alguma coisa inominável: a Água passava, então, a sentir.

O que antes era um pequeno ponto brilhante agora já se tornara uma imensa e ofuscante bola de luz branca.

Foi então que aconteceu.

A imensa e ofuscante bola de luz branca chocou-se estrondosamente com a Água.

E, da explosão de cores e sons jamais imaginados e nunca mais vistos causada por tal impacto, surgiu, aleatoriamente e de nenhum lugar em específico, tudo aquilo que nos acostumamos hoje em dia a chamar de Vida, Universo e Tudo o Mais.

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(Inspirado em uma pseudo-regressão empreendida por esta que vos escreve durante algo como uma amostra grátis de um curso de "auto-conhecimento" caríssimo onde se abduzem pessoas e comem-se seus cérebros)

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Era uma vez #5

Era uma vez uma metade de laranja.
Um dia, ela descobriu que era na verdade uma laranja inteira e resolveu sair para fazer algumas laranjadas.
Fim.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Epifania Paulistana



Uma tarde, uma cidade, um bairro, uma rua.

Gente, fumaça, barulho, carros, ônibus, caminhões, prédios, pontes, aviões, muro.

Pessoas cabisbaixas isoladas em seus mundos particulares, passadas apreensivas, apressadas; caminhantes tristes, bravos, tímidos, atrasados.

Tudo correndo, correndo, correndo.

Uma escadaria suja, poças líquidas de procedência desconhecida, alguma palavra ilegível pintada na parede.

Cinza, chumbo, asfalto, branco, preto, marrom, amarelado, esverdeado, desbotado, cor-de-rosa-choque.

Cor-de-rosa-choque?

Flores cor-de-rosa chapadas num céu incolor, emolduradas por estruturas acinzentadas, seguras por cordas emborrachadas e observadas por mentalidades metálicas.

Durante uma batida de um coração palpitante, uma explosão de cor em meio ao preto-e-branco-e-cinza-e-bege da sobriedade calculada de uma megalópole super-povoada.

Uma visão única, anormalmente perfeita e perfeitamente anormal, muito movimentada e completamente parada, destoante, deslumbrante, desoladoramente fugaz.

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Aos olhos dos transeuntes apressados, porém, a epifania caleidoscópica não passava, apenas, de mais um ipê cor-de-rosa florescendo em meio aos prédios e carros e compromissos atrasados da imensidão cinzenta e sempre enlouquecida da minha querida e Desvairada Paulicéia.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Pensamentos Aleatórios Fixados Com Super Bonder

Olha, eu sinceramente não sei.
O quê?, não sei.
Por quê?, não sei.
Simplesmente, eu não sei.

Pobres seres humanos limitados e egocêntricos.
Vosso desejo é verdadeiramente real ou o que vos moveis é justamente a busca por um objetivo ideal?

Oh, céus.
Réus.
Créus!

Seguramente a razão deveria ser dada àqueles que não têm razão.
Sim, pois aqueles que já possuem razão não precisariam de mais razão, concorda?
Ou sem corda?
Acorda!

Paralelepípedo, inconstitucionalissimamente, transatlântico, energúmeno, fanfarronice, ecleticamente, ignóbil, parapsicologia.

Nexo, anexo, sem nexo!
Sexo?

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Algumas vezes, elevadores são apenas escadarias que subiram de nível.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Considerações #3: (Sem) Sentido

Uma palavra qualquer, quando repetida por muitas vezes, perde todo o sentido.

Sentindo o sentir do sentimento sentido, sinto o que sinto sentindo o sentir do próprio sentimento sentido quando é sentido por apenas sentir.

O sentido, quando sentido repetidas vezes para que se sinta o próprio sentido do sentir, também perde todo o sentido.

...

Sentiu?