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segunda-feira, 28 de maio de 2012

A Espera

Sentada no canto mais escuro da sala, ela esperava amedrontada a mãe. Seu cabelo louro, normalmente preso em duas marias-chiquinhas, estava bagunçado, embaraçado e sujo. Seu vestidinho cor-de-rosa, sempre tão limpo e engomado, naquele dia estava rasgado, enlameado e amassado.

Olhava em volta com seus olhinhos miúdos e castanhos analisando intensamente cada pessoa presente. Alguns homens com cara cansada conversavam com um outro grande, gordo e bigodudo. Ele se parecia muito com o Papai Noel. Mas não podia ser. Não era Natal, aquele lugar não era o pólo norte e os homens que estavam com ele não se pareciam com duendes. Não, não se pareciam nem um pouco com duendes. Duendes com certeza seriam mais sorridentes. E não usariam aqueles uniformes azuis tão tristes. Não. Na verdade, ela tinha quase certeza de que já havia visto moços parecidos com aqueles na televisão. Sim, diziam ser, como era mesmo? Ah, sim. Policiais.

Eles haviam falado com ela, disseram para que não ficasse com medo, que mamãe iria chegar logo. Ofereceram-lhe um pirulito de cereja. Mas ela odiava pirulitos de cereja. E sua mãe demorava muito. Ficar ali sozinha dava vontade de chorar.

Secou as lágrimas dos olhos com as costas das mãozinhas gorduchas. Lembrava-se da última vez que vira sua mãe. Estavam no shopping, há dois dias. As duas passeavam, havia muita gente. E ela queria tanto, mas tanto um sorvete que gritou, chorou e saiu correndo. Não devia ter feito aquilo. Não devia mesmo. Tinha muita, muita gente no shopping, e, quando ela deu por si, já estava perdida.

E foi então que a mulher apareceu. Baixinha, com os cabelos bem compridos e escuros e um sorriso calmo igual ao da sua mãe.

— Oi garotinha — disse ela — Você está perdida?

— Tô — respondeu Laurinha, começando a chorar — Você me ajuda a achar a minha mãe, tia?

— É claro, bonequinha. Vamos lá.

E Laurinha foi, pensando com alívio que em muito breve encontraria sua mãe e a abraçaria, pediria desculpas e diria que nunca mais faria uma coisa daquelas de novo. Mas a mulher não a levou até sua mãe.

— Tia, a minha mãe estava aqui no shopping... por quê estamos indo embora?

— Sua mãe está na minha casa, vamos até lá.

Ela começou a achar que havia alguma coisa muito errada ali. Por quê sua mãe estaria na casa daquela moça? Será que elas se conheciam?

Foi levada para uma casa pequena, com paredes verdes e uma janela quebrada. E descobriu que sua mãe não estava lá.

— Tia, onde está a minha mamãe? — perguntou Laurinha.

— Sua mãe foi embora pra sempre — respondeu a moça — Agora você vai morar aqui.

E Laurinha ficou lá, naquela casa triste com aquela moça má até os homens de uniforme nos carros barulhentos de luzes coloridas aparecerem. Chorou muito. Não podia acreditar que sua mãe havia ido embora para sempre. Ela nunca faria isso. Não deixaria que ficasse em um lugar como aquele, não, ela sabia. Sua mãe gostava muito dela. Ou será que não gostava? Os homens de uniforme a levaram para aquela sala dizendo que sua mãe estaria ali, esperando por ela. Mas a mamãe não estava. E não chegava nunca. Será que mamãe agora a odiava por ter gritado e saído correndo no shopping? Será que o que a moça má dissera era verdade e sua mãe havia mesmo ido embora para sempre? Será que...

As lágrimas começavam a rolar incontrolavelmente pelas suas bochechas rosadas quando ouviu as sirenes dos carros com as luzes coloridas. Laurinha gostava desses carros. Gostava da luz colorida que ficava em cima deles, gostava do fato de terem sido aqueles os carros que a tiraram da casa verde e triste e da moça má.

Esfregando o rosto, correu até a janela para observá-los melhor. Homens com uniforme saíam deles apressadamente. Um dos homens abriu a porta traseira de um dos carros e ajudou uma moça a descer. Cabelos pretos, calça jeans, blusa azul, e o rosto, tão bonito, agora vermelho e manchado de lágrimas.

— MAMÃE! — Laurinha gritou, o coração aos pulos.

— FILHA!!! — respondeu a mãe, sorrindo, correndo ao seu encontro.

E as duas ficaram ali, no meio da delegacia, por muito tempo apertadas em um silencioso abraço de alívio, saudade e amor incondicional.

...

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Timidez


E lá estava eu. O suor gelado que brotava de minhas mãos trêmulas poderia encher todo o reservatório de água da cidade. Eu não acredito, onde estava com a cabeça quando marcara aquele encontro?

Esperava sentado no banco do parque, como havíamos combinado. Já se passavam dez minutos do horário marcado. Será que ela não viria?

Acendi um cigarro. Um tipo de refúgio para a minha timidez: quando não sabia o que fazer, acendia um cigarro. Era um meio de manter-me ocupado. Um meio de passar o tempo, de não chamar a atenção. Um meio de ser idiota, eu sei, mas pelo menos com aquilo eu parecia mais seguro e ficava ligeiramente mais tranquilo.

Mas nem tanto. Ela já estava quinze minutos atrasada! Comecei a balançar as pernas impacientemente. Sentia-me muito mal em estar ali, sozinho. Todas as pessoas que passavam pareciam estar olhando para mim, me analisando, me criticando. Todas as risadas que ouvia pareciam estar acontecendo por minha causa. Eu estava começando a entrar em paranoia! Onde estava Luciana?

— Hã... ah, é... desculpa o atraso, hum... — disse uma voz feminina ao meu lado — Er... olá...

Sobressaltado, olhei na direção da voz e avistei a moça com quem sempre conversava na internet. Como era bonita! Ainda mais do que aparentava nas fotos que me mandara.

— Er... ah... hum... — engasguei — Oi.

“Imbecil!” havia uma voz dentro de mim dizendo. “Fale com ela como se fosse pela internet!”
Mas no mundo virtual era tudo tão mais fácil! Sentia-me um idiota. Percebia as bochechas queimando. Deveria estar parecendo um pimentão vermelho. Ainda bem que ventava muito e meus cabelos cacheados caiam por sobre meu rosto, escondendo um pouco aquela cara de tacho que eu sempre fazia nessas ocasiões. Eu estava terrivelmente travado. Conversávamos tanto online, e, agora, eu não conseguia pensar em nada, absolutamente nada para dizer. Nem um "oi, como vai?" queria sair da minha boca. Por quê diabos eu precisava ser tão tímido?!

Havia um silêncio tão palpável quanto o frio que fazia naquele dia de inverno entre nós.

— Hum, bem... — tomei coragem — Vamos... vamos tomar um sorvete?

Burro! Que frase estúpida para se dizer! Tomar um sorvete no frio?!

Mas, antes que ela pudesse responder, uma voz estridente gritou atrás de mim:

— Lu!!! Quanto tempo, menina!!! — disse uma mulher sardenta enquanto abraçava apertadamente minha amiga virtual  —  O que faz por aqui?!

— Ah... oi, Márcia — respondeu ela um tanto constrangida — Hum, este é o Jorge, o cara da internet sobre quem eu tinha te dito. Jorge, esta é Márcia, uma amiga minha.

— Ah! E aí, Jorginho! — disse a tal Márcia — Posso te chamar assim, né? — E, dando-me uma cotovelada, acrescentou — Se bem que, com esse seu tamanho, o mais adequado seria Jorjão, né? Jorjão, huuum — completou, rindo para mim.

Queria enterrar minha cabeça no chão. Respondi com um sorriso amarelo, e notei que Luciana também estava embaraçada.

— Ih, o moço ficou todo encabulado!! — atirou Márcia — Não fique assim, gato, a Lu também é toda tímida. Aliás — continuou a moça olhando para Luciana — marcou outro encontro pela internet, é? Preciso te dizer que desta vez você deu sorte, heim? — lançou-me uma piscadela — Só espero que você não faça como no último e vá embora sem falar nada — virou-se para mim enquanto Luciana enrubescia — Essa Lu é muito tímida. Você também, pelo jeito, heim? Tá todo vermelhão — disse, gargalhando.

A situação desenrolava-se de forma extremamente desagradável para mim e para Luciana. Eu não sabia mais o que fazer, o que falar, onde me esconder. Queria que o mundo acabasse naquele momento.

Mas Márcia parecia estar se divertindo muito com aquela conversa.

— Ai, gente, para quê ser desse jeito? Não funciona, meu. Mas, olha, eu sei o que é isso. A Lu aí me conheceu na outra época. Eu era tímida pra caramba, assim como vocês. Nem abria a boca, eu achava que todo mundo ia me achar chata.

Por quê será?, pensei.

— Mas aí  — continuou ela — fiz um curso tipo desses de vendas com atuação, saca?, e aprendi a ser desse jeito extrovertido, e tal, muito melhor do que ficar se borrando de medo de falar com os outros que nem vocês tão. — fez um pausa para respirar e emendou — Parece até um negócio tipo alcoólatras anônimos, isso de ex-tímido, heim? Rá rá rá! Fala aí, Lu, "Meu nome é Luciana e eu não consigo conversar com um cara". Rá rá rá!

Que constrangedor. Meu Deus, tende piedade! Que as trombetas soem, que o chão se abra e que comece o apocalipse!

— Ah, mas poxa vida, vocês não falam nada!! Sabe, se vocês quiserem eu posso passar o contato do curso que eu fiz, meu, foi a melhor coisa que me aconteceu, agora eu sou bocuda mesmo, e...

— Márcia — interrompi, a coragem crescendo proporcionalmente à irritação causada por aquela metralhadora verborrágica  — Olha só... esse curso que você falou... se eu fizer... vou ficar assim, tipo, igual a você?

— Isso! É só extroversão no rolê! Não é ótimo?

— Na verdade não — eu disse, calmamente — Acho que prefiro ser tímido a ser um babaca. E, desculpe, não era você que pensava que os outros te achariam chata. Você É chata. E muito. Passar bem.

Peguei Luciana pelo braço e, dando as costas à cara indignada da  Márcia, dirigi-me à sorveteria.

...


(São Pedro, alguma data entre os anos de 2003 e 2004 - reescrito em 2012)