terça-feira, 4 de agosto de 2015

Choro



Acordou aquele dia sem querer acordar. Seu subconsciente estava cheio de memórias recortadas de vidas que não eram suas, de agonias que não eram suas, de pensamentos que não eram seus.

Ou eram?

No momento em que assim os sentiu, tornaram-se seus. Permitiu que grudassem em seu peito tal como chiclete mascado em cabelo de criança - ou pior, visto que impossível de cortar fora.

Sua vida parecia-lhe feita de fragmentos de papel colorido embolorado colados uns aos outros com fita-crepe vermelha. Pedaços desconectados de uma personalidade fraturada, metáforas irônicas de carne-e-osso-e-sangue. Sensações disparatadas, razões desatinadas, emoções muito bem mal acabadas.

Levantou-se a contragosto e acendeu um cigarro. Há tempos não fumava pela manhã, mas talvez isso a ajudasse a organizar os pensamentos.

Ou não.

Não queria chorar. Não devia. Não havia porquê.

Chorou. Chorou um mundo de vivências que eram suas e não eram. Chorou o desconforto vindo do saber-se existir. Chorou o desabafo silencioso da dor e da delícia de ser gente e perceber-se vivo.

Soube então que as lágrimas não eram fraqueza. Eram força. Força líquida e concentrada que transbordava e escorria e fazia-se presente no mundo das coisas essencialmente indescritíveis e que a tristeza era parte do ser feliz.

Sorriu.

E foi ser feliz.

2 comentários:

  1. Venho aqui comentar, aí o primeiro comentário é "Teste". Chorei também, mas foi de rir. Ninguém mais usa os comentários. ;)

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