quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Rotina II


E eis o que acontece.

A Rotina, aquela sóbria senhora burocrata em seu terno impecável estritamente bem alinhado, anda arrastando correntes às minhas costas feito assombração barata de filme de terror.

Os Pequenos Momentos Divertidos Do Dia-a-Dia tentam a todo custo afastá-la com suas estripulias coloridas e seus paninhos cintilantes. Rotina tem horror às coisas imprevisíveis e barulhentas, assusta-se ao menor sinal de descontrole e esconde-se atrás da porta opaca do Tédio. Os Pequenos Momentos Divertidos acham muita graça nisso, correm em sua frente e dão cambalhotas, sujando a casa com lantejoulas e fazendo bolhas caleidoscópicas, gargalhando desregradamente até caírem no chão.

Mas ela é persistente. Espera pacientemente pela inevitável ocasião em que os Pequenos Momentos Divertidos Do Dia-a-Dia estarão cansados e não pensarão em qualquer outra coisa se não suas próprias camas de sonhos cor-de-abóbora e então se sentará, pesada e afetadamente, em minha poltrona psicodélica preferida. Pedirá, ainda, uma xícara de café descafeinado e desatará a falar sobre como eu preciso limpar a minha casa, pagar o aluguel, e será que vai chover?.

Rotina é assim, pomposa e cheia de toques sérios e pedantes, mesmo. Ela até tenta ser simpática, mas não sabe conversar sobre nada que não seja prático, sério ou sem sal. E esse terno que ela insiste em usar, cirurgicamente bem passado e com essa cor anêmica de areia molhada, sinceramente, para quê? A quem ela quer impressionar? Se é a mim, ela deveria tentar outra coisa. Sim, é isso. Outra coisa. Talvez, se eu a convencesse a vestir algo mais colorido e menos alinhado, quem sabe...

Quem sabe.

...

Preciso de uma taça de aventura caleidoscópica ainda fumegante.

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