quarta-feira, 23 de maio de 2012

Timidez


E lá estava eu. O suor gelado que brotava de minhas mãos trêmulas poderia encher todo o reservatório de água da cidade. Eu não acredito, onde estava com a cabeça quando marcara aquele encontro?

Esperava sentado no banco do parque, como havíamos combinado. Já se passavam dez minutos do horário marcado. Será que ela não viria?

Acendi um cigarro. Um tipo de refúgio para a minha timidez: quando não sabia o que fazer, acendia um cigarro. Era um meio de manter-me ocupado. Um meio de passar o tempo, de não chamar a atenção. Um meio de ser idiota, eu sei, mas pelo menos com aquilo eu parecia mais seguro e ficava ligeiramente mais tranquilo.

Mas nem tanto. Ela já estava quinze minutos atrasada! Comecei a balançar as pernas impacientemente. Sentia-me muito mal em estar ali, sozinho. Todas as pessoas que passavam pareciam estar olhando para mim, me analisando, me criticando. Todas as risadas que ouvia pareciam estar acontecendo por minha causa. Eu estava começando a entrar em paranoia! Onde estava Luciana?

— Hã... ah, é... desculpa o atraso, hum... — disse uma voz feminina ao meu lado — Er... olá...

Sobressaltado, olhei na direção da voz e avistei a moça com quem sempre conversava na internet. Como era bonita! Ainda mais do que aparentava nas fotos que me mandara.

— Er... ah... hum... — engasguei — Oi.

“Imbecil!” havia uma voz dentro de mim dizendo. “Fale com ela como se fosse pela internet!”
Mas no mundo virtual era tudo tão mais fácil! Sentia-me um idiota. Percebia as bochechas queimando. Deveria estar parecendo um pimentão vermelho. Ainda bem que ventava muito e meus cabelos cacheados caiam por sobre meu rosto, escondendo um pouco aquela cara de tacho que eu sempre fazia nessas ocasiões. Eu estava terrivelmente travado. Conversávamos tanto online, e, agora, eu não conseguia pensar em nada, absolutamente nada para dizer. Nem um "oi, como vai?" queria sair da minha boca. Por quê diabos eu precisava ser tão tímido?!

Havia um silêncio tão palpável quanto o frio que fazia naquele dia de inverno entre nós.

— Hum, bem... — tomei coragem — Vamos... vamos tomar um sorvete?

Burro! Que frase estúpida para se dizer! Tomar um sorvete no frio?!

Mas, antes que ela pudesse responder, uma voz estridente gritou atrás de mim:

— Lu!!! Quanto tempo, menina!!! — disse uma mulher sardenta enquanto abraçava apertadamente minha amiga virtual  —  O que faz por aqui?!

— Ah... oi, Márcia — respondeu ela um tanto constrangida — Hum, este é o Jorge, o cara da internet sobre quem eu tinha te dito. Jorge, esta é Márcia, uma amiga minha.

— Ah! E aí, Jorginho! — disse a tal Márcia — Posso te chamar assim, né? — E, dando-me uma cotovelada, acrescentou — Se bem que, com esse seu tamanho, o mais adequado seria Jorjão, né? Jorjão, huuum — completou, rindo para mim.

Queria enterrar minha cabeça no chão. Respondi com um sorriso amarelo, e notei que Luciana também estava embaraçada.

— Ih, o moço ficou todo encabulado!! — atirou Márcia — Não fique assim, gato, a Lu também é toda tímida. Aliás — continuou a moça olhando para Luciana — marcou outro encontro pela internet, é? Preciso te dizer que desta vez você deu sorte, heim? — lançou-me uma piscadela — Só espero que você não faça como no último e vá embora sem falar nada — virou-se para mim enquanto Luciana enrubescia — Essa Lu é muito tímida. Você também, pelo jeito, heim? Tá todo vermelhão — disse, gargalhando.

A situação desenrolava-se de forma extremamente desagradável para mim e para Luciana. Eu não sabia mais o que fazer, o que falar, onde me esconder. Queria que o mundo acabasse naquele momento.

Mas Márcia parecia estar se divertindo muito com aquela conversa.

— Ai, gente, para quê ser desse jeito? Não funciona, meu. Mas, olha, eu sei o que é isso. A Lu aí me conheceu na outra época. Eu era tímida pra caramba, assim como vocês. Nem abria a boca, eu achava que todo mundo ia me achar chata.

Por quê será?, pensei.

— Mas aí  — continuou ela — fiz um curso tipo desses de vendas com atuação, saca?, e aprendi a ser desse jeito extrovertido, e tal, muito melhor do que ficar se borrando de medo de falar com os outros que nem vocês tão. — fez um pausa para respirar e emendou — Parece até um negócio tipo alcoólatras anônimos, isso de ex-tímido, heim? Rá rá rá! Fala aí, Lu, "Meu nome é Luciana e eu não consigo conversar com um cara". Rá rá rá!

Que constrangedor. Meu Deus, tende piedade! Que as trombetas soem, que o chão se abra e que comece o apocalipse!

— Ah, mas poxa vida, vocês não falam nada!! Sabe, se vocês quiserem eu posso passar o contato do curso que eu fiz, meu, foi a melhor coisa que me aconteceu, agora eu sou bocuda mesmo, e...

— Márcia — interrompi, a coragem crescendo proporcionalmente à irritação causada por aquela metralhadora verborrágica  — Olha só... esse curso que você falou... se eu fizer... vou ficar assim, tipo, igual a você?

— Isso! É só extroversão no rolê! Não é ótimo?

— Na verdade não — eu disse, calmamente — Acho que prefiro ser tímido a ser um babaca. E, desculpe, não era você que pensava que os outros te achariam chata. Você É chata. E muito. Passar bem.

Peguei Luciana pelo braço e, dando as costas à cara indignada da  Márcia, dirigi-me à sorveteria.

...


(São Pedro, alguma data entre os anos de 2003 e 2004 - reescrito em 2012)

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