Era um dia nublado e abafado. Doutora Rosângela Friburgo lia distraidamente seu jornal quando foi interrompida pela campainha.
— Carteiro!
— informou uma voz do lado de fora.
Ao
pegar a correspondência, Rosângela notou que, entre as contas e
propagandas habituais, havia também uma carta maior, com o símbolo
do museu nacional, endereçada a ela.
Rosângela
era doutora em arqueologia, acabara de especializar-se em
procedimentos e técnicas de escavação e trabalhava há quase dois
anos no museu nacional. Ganhava bem, tinha uma confortável morada em
Londres, uma casa de veraneio em Portugal e um sonho infantil
inconfesso de viver aventuras como as enfrentadas pelo personagem
Indiana Jones. Foi sua paixão por esta ficção que a fez decidir
seguir a carreira da arqueologia, mas se qualquer um de seus colegas
de universidade levantasse esta hipótese ela a negaria até a morte.
— Oh!
— exclamou ao ler a carta — Uma expedição? À Índia? No mês
que vêm?!
Após
ficar alguns instantes com o olhar perdido imaginando-se fugindo de
pedras gigantes e múmias-zumbis, correu para contar a novidade ao
marido.
— Legal.
— respondeu ele.
— Legal?
— disse Rosângela — É maravilhoso! Já fiz algumas escavações
na Índia antes, meu mestrado foi sobre isso, lembra?, mas esta é
justamente a oportunidade para colocar em prática minha tese de
pós-doc que... — o marido parecia não estar prestando a mínima
atenção — Poxa, Greg. Um pouco de consideração aqui, sim?
— Mas
eu tô prestando atenção — disse ele brincando com o controle
remoto da televisão.
— Sei.
Bom, a viagem é toda paga pelo museu e eu posso levar um
acompanhante, mas se você não quiser ir eu chamo a minha irmã.
— Quê?
— ele levantou-se num pulo do sofá — Tudo pago? Ah, Rosi, por
que você não disse logo? Arrume as malas! Vamos
viajar de graça!
****
— Ai!
Quanto mosquito!
Gregory
não agüentava mais aqueles bichinhos barulhentos zumbindo em seus
ouvidos e deixando suas pernas embolotadas e em carne-viva.
Arrependera-se amargamente de ter acompanhado Rosângela no momento
em que botou os pés na aldeia onde se estabeleceriam durante a
viagem. Fazia calor, havia milhares de mosquitos do tamanho de
elefantes e os colegas de sua esposa eram professores doutores
universitários arrogantes e sem um pingo de senso de humor.
Estavam
havia dois dias enfiados num casebre minúsculo, cheio de rachaduras
e sem água encanada em algum lugar próximo a uma aldeia à noroeste
da Índia que alguém lhe disse ter o nome de Ellora. E fazia calor,
muito calor.
— Devia
ter imaginado — continuou ele, limpando o rosto com um lenço e
espantando meia dúzia de mosquitos — Pago pelo museu... Rá! Deve
ter sido o lugar mais barato que arranjaram, esses pilantras.
— Ah,
amor, não reclama — disse Rosângela — Essa aldeia é a mais
próxima do sítio onde estamos escavano. E aqui é tudo tão
fascinante! Você viu aquela gruta que encontramos por acaso mais ao
sul, hoje? Os entalhes nas pedras são definitivamente magníficos!
— Magníficos,
sim. Magnífico seria poder tomar um belo banho de hidromassagem,
ligar um refrescante ar-condicionado na potência máxima e matar com
raios-laser milimetricamente programados esses malditos mosquitos
filhos de uma égua.
Com
um muxoxo de cansaço ele deitou-se na cama feita com bambus e,
pensando em refrigeradores de ar industriais e matadores de moscas
gigantes finalmente adormeceu.
No
dia seguinte Rosângela acordou bem cedo, fez um café forte com o pó
que trouxera de casa e convenceu o marido a levantar-se também.
— Hoje
vamos explorar aquela gruta que achamos ontem — disse ela,
empolgada, enquanto bebia seu café — Pode ser que tenhamos
encontrado um lugar em que nenhum humano colocou os pés desde o
século oito!!
— Que
bom — respondeu Gregory, irônico, esfregando os olhos.
— Você
pode ficar aqui, se quiser.
— Ah,
obrigada, mas vou com vocês. Prefiro a companhia daquele cara de
fuínha do Professor Johnson a ser o prato principal para o almoço
dos mosquitos. E eu não fui muito com a cara desses nativos. Parece
que eles estão observando por dentro da minha alma — continuou
quando saíram para a rua.
Juntaram-se
ao restante da expedição e rumaram em direção à caverna. Ela
ficava a pouco mais de uma hora de caminhada da aldeia, escondida por
uma alta vegetação. Encontraram-na por acaso na tarde anterior,
quando os dois estagiários graduandos em História afastaram-se do
sítio para, bem, utilizarem-se de algumas substâncias psico-ativas
e tropeçaram em uma pedra entalhada. A princípio achou-se que os
garotos estavam equivocados, porém Rosângela fez questão de
observar por si própria aqueles entalhes e encontrou a entrada da
caverna. Como já começava a escurecer decidiram ser mais sensato
deixar a exploração para o dia seguinte.
Ao
chegarem, Rosângela, e até mesmo Gregory, ficaram boquiabertos. A
gruta, a qual parecia pequena por fora, era bem maior por dentro do
que o esperado. Havia deuses e animais esculpidos na pedra bruta por
todas as paredes e grossos pilares de pedra com inscrições antigas
entalhadas milhares de anos atrás.
À
volta de um destes pilares Rosângela notou algumas inscrições
peculiares e, deixando que o resto do grupo seguisse em frente,
demorou-se mais alguns instantes a fim de analisar melhor o que elas
poderiam significar.
— Curioso...
é... curioso... realmente muito curioso... curiosíssimo...
— Rosi,
será que você poderia fazer o favor de me dizer o que dabos é tão
curioso? — perguntou Gregory bocejando.
— Essas
inscrições... não batem com as do resto do santuário... parecem
mais antigas. Veja, há alguns fungos fossilizados aqui que...
— Ah,
claro, fungos fossilizados. Certo. Bom, Rosi, enquanto você troca
uma ideia com estes fungos anciãos eu vou me sentar aqui um
instantinho, ok? Minhas pernas doem, eu não sou mais um garoto de
dezoito anos que...
Quando
ele encostou-se à parede próxima do pilar, algo fez mover um tipo
de passagem, revelando uma escadaria comprida e sem final visível.
— Ai,
caramba! Não fui eu! — disse Gregory afastando-se rapidamente.
— Uau!
— disse Rosângela dando uma espiada lá dentro — Onde será que
isso vai dar?
— Eu
não sei, Rosi, e acho que não quero saber — disse Gregory com voz
esganiçada — A gente precisa encontrar os outros, e se os meninos
do estágio estiverem fumando de novo?
— Ora,
vamos, Greg! — respondeu Rosângela, ligando sua lanterna — O que
podemos encontrar aqui embaixo pode ser muito melhor do que qualquer
psico-ativo — continuou, descendo a escada vagarosamente.
— Ai,
Rosi. Você e essa mania de Indiana Jones — disse Gregory descendo
rapidamente atrás da esposa.
Quando
estavam nos últimos degraus, a lanterna escorregou das mãos dela e
apagou-se, deixando-os no mais completo e definitivo breu.
(Continua aqui)
Gregory ao meu ver é um amigo gay, não um marido! hahhahhaha... vou para a segunda parte!
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