Escrevi esta história durante um surto de fim de semestre no primeiro ano de faculdade. Como estou passando por algo parecido esta semana e estou totalmente sem tempo de escrever qualquer coisa que não seja a forma de representação de mundo dos telejornais e a crítica modernista no século dezenove, publico-o aqui para apreciação geral da nação.
Aviso: Melhor visualizado sob o efeito de psico-ativos.
***
Estava eu dançando em um grande salão iluminado por fachos de luzes multicoloridas uma dança psicodélica ao som de Pink Floyd tocado por uma vitrola imaginária controlada por uma joaninha de óculos escuros cor-de-laranja.
- Quem pensou que tinha sentado no nabo no trabalho de Brasil Colonial?! – disse para mim mesma, dando um rodopio - Já é! Já é! Ninguém virou jantar, uh-uh! Ninguém virou jantar, uh-uh!
Saltei um duplo twist carpado e imitei uma dançarina de Hula-Hula.
- Hohohoho... PASSEIIII... sete no trabalho, oito na prova... uoooohhh! – gargalhei, andando como egípcia e balançado a cabeça loucamente - Sim, agora só falta saber como fui nas outras...
A música diminuiu.
- E terminar (ou começar) o trabalho de Ibérica...
A música cessou por completo.
- Que, aliás, é pra amanhã!
Estaquei no meio da sala e as luzes coloridas se apagaram, dando lugar a um irritante holofote com uma irritante luminosidade cujo irritante facho estava de uma forma particularmente irritante apontado para mim.
- AAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!! – não pude deixar de gritar, quando a joaninha de óculos escuros cor-de-laranja aumentou de tamanho e virou um enorme e terrível Gil Vicente com dedo em riste e expressão acusadora.
Tentei fugir, mas o chão abaixo de mim começou a dissolver-se e sugar-me feito areia movediça. Berrei outra vez, desesperada, arrancando os cabelos em uma busca frenética e vã de sair dali.
- A sociedade portuguesa desse período de monarquia absoluta – disse o monstruoso rosto de Gil Vicente no mesmo instante em que começava a ficar loiro e parecer-se com o Lenine - aparece com as viagens de descobrimento e a fixação do além-mar e termina, em boa parte, no final do século XVIII e com as revoluções liberais do começo do século XIX.
- AAAAAAAAARRRRRRRRRRRRRRRRRREEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!!!
O chão de areia-movediça estava me puxando cada vez mais para baixo, eu estava quase sufocada. Foi quando uma lagarta bigoduda veio navegando numa nau portuguesa do século XVI e parou ao meu lado.
- A senhora por acaso precisaria de ajuda? – perguntou-me do alto de seus bigodes pretos.
- Ah, não, não; imagina! Estou onde todo mundo sempre quis estar, não é?, sendo sugada por um chão de areia movediça! Quero dizer, é o sonho de todo mundo!
- Bem, para falar a verdade eu nunca sonhei com isso – ela me respondeu com uma sobrancelha erguida – Eu sempre sonhei que virava uma borboleta barbada e podia acampar no deserto do Atacama.
- É mesmo? Que interessante!
- Pois é. No Atacama, imagina! Bom, mas se você não está com problemas, vou perguntar pra outra pessoa. Desculpe incomodar.
- !!!
- Ah, e quase ia me esquecendo... – ela disse de novo retirando alguma coisa muito grande e muito pesada de dentro do seu bigode – Só pra garantir...
**POF!**
Sim, para os que não entenderam, ela bateu na minha cabeça com aquela coisa muito grande e muito pesada.
E sim, eu, obviamente, desmaiei.
Acordei o que me pareceram horas depois, com uma terrível dor de cabeça e em um lugar absurdamente surreal.
Estava deitada em um pufe macio e amarelo, feito com algum tecido esquisito que parecia ser composto de vários trapos de toalha esfiapados e muito usados.
Uma luz dourada iluminava um salão terrivelmente colorido, onde vários discos de vinil planavam felizes e esborrachavam-se uns nos outros.
No teto abobadado, pinturas renascentistas de anjos acenavam e piscavam os olhos para mim enquanto diabinhos fluorescentes espetavam-lhes as costas.
Tocava Beatles.
Levantei-me perguntando onde diabos estaria, e no mesmo instante um disco de vinil particularmente feliz deu um rasante muito próximo a mim, fazendo-me mergulhar de cara no chão.
Fechei os olhos, pressentindo a colisão com o frio piso de pedra cintilante que piscava a intervalos totalmente irregulares, mas a colisão não aconteceu.
Continuei de olhos fechados.
Já estava ficando de saco cheio dessa história surrealista, parecia uma viagem ácida, e eu estava totalmente sóbria!
Ok, estava um pouco fora de mim com a paranóia do trabalho que precisava terminar até a tarde seguinte, mas isso não poderia ser a causa de discos de vinil voadores, uma lagarta bigoduda e Gil Vicente virando minha professora de Ibérica.
E aquela dor de cabeça era muito, muito real!
Ora, pipocas! Eu precisava descobrir onde estava! Precisava sair dali! Precisava terminar o trabalho! Precisava ganhar na loteria! Precisava viajar o mundo inteiro! Precisava conhecer o Johnny Depp pessoalmente! Precisava... abrir os olhos, diabos!
Relutantemente, os abri.
O mundo (ou o que parecia ser uma cópia muito bizarra dele) dissolveu-se na minha frente, um tipo de escritório de redação de jornaleco se materializou e a lagarta bigoduda que me deu uma marretada na cabeça surgiu de trás de um ficheiro velho e mofado.
- Ora, a mocinha acordou! - disse ela - Tudo bem?
- Não.
- Que bom! – ela abriu um sorriso radiante, e em seguida franziu as sobrancelhas - Desculpa ter te tirado do seu sonho de areia movediça, mas, sabe como é, eu só trabalho aqui.
- ...
- Meu chefe já tá vindo aí, aí você fala com ele pessoalmente, tá?
- ...
- Por quê você não senta? - disse, apontando uma cadeira de praia de listras brancas e vermelhas e servindo-me uma bandeja com copinhos coloridos enfeitados com mini guarda-chuvas - Tome um suco, também.
Aceitei o suco. Estava ficando impaciente, a última vez que saí para uma viagem tão surreal quanto aquela as coisas não se sucederam de maneira muito agradável pra mim, no final das contas.
Ouvi então um barulho estrondoso de galope de cavalos, e o que me pareceram trombetas angelicais soaram.
- Oooooooláááááááá - disse uma coisa muito luminosa que entrou pomposamente no escritório, com uma voz em trovão.
- Ei chefe! Ela acordou! - disse a lagarta bigoduda.
A luz se apagou, revelando uma figura muito gorda trajando paletó e chapéu de mafioso.
- Ah, sério?! - disse o gordo de chapéu - Não me diga! Ora, pois me diga alguma coisa mais útil da próxima vez!
- Desculpa, desculpa, chefinho!
- Tá, tá. - a figura enorme voltou-se para mim - Desculpe, Karol. Ele estragou minha entrada triunfal, eu tinha até comprado um holofote pra fazer bonito, mas... enfim, não importa. Essa mosca do cocô do cavalo do bandido do filme de caubói americano contou-lhe o porquê de estar aqui?
- Ah... não... - respondi, meio desnorteada. Primeiro personagem maluco que eu encontrava e realmente sabia meu nome! - Como você...
- Ora, obviamente eu sei o seu nome! Você não sabe o seu nome? Eu posso dizê-lo para você, você se chama Ana Carolina, mas é mais conhecida como Kar...
- Eu sei o meu nome, obrigada.
- Então não há com o que se preocupar! Pois bem, então. Já que esse estrupício não lhe contou, terei eu mesmo que fazer o trabalho sujo.
A figura empinou o peito e pareceu ficar ainda mais enorme.
- Você está aqui exatamente pelo fato de estar aqui. Se você não estivesse aqui, não estaria, concorda?
Puxa, que grande revelação! Como não pensei nesse motivo antes?
- E o fato de você estar aqui - continuou pomposamente - significa que você não bate bem das idéias e precisa de um descanso.
Outra grande revelação. Francamente, eu ainda tinha que terminar o meu trabalho!
- Sim, sim, ok - falei - Mas acontece, enorme figura de paletó e chapéu de mafioso, que eu realmente preciso ir embora, certo? Tenho um trabalho para terminar e...
- Ora, justamente! Eu tenho a solução para isso! E você sabe que eu tenho, por isso veio até aqui.
- Na verdade eu vim porque aquela lagarta me deu uma cacetada e me trouxe para cá.
- Eu só trabalho aqui! - gritou a lagarta de trás de uma árvore de Natal.
- De qualquer forma, eu tenho a solução para seu trabalho - o cara gordo de chapéu de mafioso abriu uma gaveta verde-musgo de uma escrivaninha sorridente e tirou de dentro dela um frasco multicolorido e fumegante - Beba.
Ah, claro. Iria beber aquilo, sim. Com certeza.
- Obrigada, não estou com...
- É uma mistura mágica de ervas e absinto com aroma de limão, não há com o que se preocupar.
- Ah... então... você disse absinto?
Bem, aquilo não podia ser tão ruim, não é? Bebi.
Em seguida a lagarta bigoduda voou na minha direção e ficou pequenininha, entrando pelo meu ouvido.
As imagens ao meu redor começaram a parecer que eram feitas de vidro, vidro este que se estilhaçou em mil pedaços e derreteu em mil cores até tudo ficar branco, ofuscantemente branco.
Enquanto isso, pensamentos que nunca me ocorreram antes brincavam de ciranda-cirandinha em meu cérebro.
Tive um relance do sentido do Universo, foi-me visível a única forma de se acabar de vez com a fome e a desigualdade do mundo, pude compreender como funcionam as religiões e seus deuses, descobri o que era Deus, soube que o mundo ia acabar e que existe vida em outros planetas, pude perceber o quão ínfimo é o ser humano, quantos atos grandiosos foram vãos, como eu não sou nada e como o nada é tudo e o tudo é grande demais pra ser apreendido.
Todas as revelações possíveis me foram feitas, e eu senti que não poderia agüentar, que meus miolos estavam prestes a sublimarem em minha cabeça.
A lagarta bigoduda apareceu girando em espirais na minha frente, dizendo com voz fantasmagórica:
- Escolha... esqueça... escolha... esqueça...
Precisei ser rápida e forçar minha mente a esquecer toda a essência do que estava sendo revelado. Só podia manter comigo...
Uma luz piscou, eu fui jogada por uma janela e estava em meu quarto, sentada na frente do computador, com brilhantes (ou nem tanto assim) idéias para serem escritas em meu ensaio sobre Gil Vicente e a sociedade portuguesa em sua obra.
...
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Estava eu dançando em um grande salão iluminado por fachos de luzes multicoloridas uma dança psicodélica ao som de Pink Floyd tocado por uma vitrola imaginária controlada por uma joaninha de óculos escuros cor-de-laranja.
- Quem pensou que tinha sentado no nabo no trabalho de Brasil Colonial?! – disse para mim mesma, dando um rodopio - Já é! Já é! Ninguém virou jantar, uh-uh! Ninguém virou jantar, uh-uh!
Saltei um duplo twist carpado e imitei uma dançarina de Hula-Hula.
- Hohohoho... PASSEIIII... sete no trabalho, oito na prova... uoooohhh! – gargalhei, andando como egípcia e balançado a cabeça loucamente - Sim, agora só falta saber como fui nas outras...
A música diminuiu.
- E terminar (ou começar) o trabalho de Ibérica...
A música cessou por completo.
- Que, aliás, é pra amanhã!
Estaquei no meio da sala e as luzes coloridas se apagaram, dando lugar a um irritante holofote com uma irritante luminosidade cujo irritante facho estava de uma forma particularmente irritante apontado para mim.
- AAAAAAAHHHHHHHHHHHH!!!!! – não pude deixar de gritar, quando a joaninha de óculos escuros cor-de-laranja aumentou de tamanho e virou um enorme e terrível Gil Vicente com dedo em riste e expressão acusadora.
Tentei fugir, mas o chão abaixo de mim começou a dissolver-se e sugar-me feito areia movediça. Berrei outra vez, desesperada, arrancando os cabelos em uma busca frenética e vã de sair dali.
- A sociedade portuguesa desse período de monarquia absoluta – disse o monstruoso rosto de Gil Vicente no mesmo instante em que começava a ficar loiro e parecer-se com o Lenine - aparece com as viagens de descobrimento e a fixação do além-mar e termina, em boa parte, no final do século XVIII e com as revoluções liberais do começo do século XIX.
- AAAAAAAAARRRRRRRRRRRRRRRRRREEEEEEEEEEEEE!!!!!!!!!!!!!!
O chão de areia-movediça estava me puxando cada vez mais para baixo, eu estava quase sufocada. Foi quando uma lagarta bigoduda veio navegando numa nau portuguesa do século XVI e parou ao meu lado.
- A senhora por acaso precisaria de ajuda? – perguntou-me do alto de seus bigodes pretos.
- Ah, não, não; imagina! Estou onde todo mundo sempre quis estar, não é?, sendo sugada por um chão de areia movediça! Quero dizer, é o sonho de todo mundo!
- Bem, para falar a verdade eu nunca sonhei com isso – ela me respondeu com uma sobrancelha erguida – Eu sempre sonhei que virava uma borboleta barbada e podia acampar no deserto do Atacama.
- É mesmo? Que interessante!
- Pois é. No Atacama, imagina! Bom, mas se você não está com problemas, vou perguntar pra outra pessoa. Desculpe incomodar.
- !!!
- Ah, e quase ia me esquecendo... – ela disse de novo retirando alguma coisa muito grande e muito pesada de dentro do seu bigode – Só pra garantir...
**POF!**
Sim, para os que não entenderam, ela bateu na minha cabeça com aquela coisa muito grande e muito pesada.
E sim, eu, obviamente, desmaiei.
Acordei o que me pareceram horas depois, com uma terrível dor de cabeça e em um lugar absurdamente surreal.
Estava deitada em um pufe macio e amarelo, feito com algum tecido esquisito que parecia ser composto de vários trapos de toalha esfiapados e muito usados.
Uma luz dourada iluminava um salão terrivelmente colorido, onde vários discos de vinil planavam felizes e esborrachavam-se uns nos outros.
No teto abobadado, pinturas renascentistas de anjos acenavam e piscavam os olhos para mim enquanto diabinhos fluorescentes espetavam-lhes as costas.
Tocava Beatles.
Levantei-me perguntando onde diabos estaria, e no mesmo instante um disco de vinil particularmente feliz deu um rasante muito próximo a mim, fazendo-me mergulhar de cara no chão.
Fechei os olhos, pressentindo a colisão com o frio piso de pedra cintilante que piscava a intervalos totalmente irregulares, mas a colisão não aconteceu.
Continuei de olhos fechados.
Já estava ficando de saco cheio dessa história surrealista, parecia uma viagem ácida, e eu estava totalmente sóbria!
Ok, estava um pouco fora de mim com a paranóia do trabalho que precisava terminar até a tarde seguinte, mas isso não poderia ser a causa de discos de vinil voadores, uma lagarta bigoduda e Gil Vicente virando minha professora de Ibérica.
E aquela dor de cabeça era muito, muito real!
Ora, pipocas! Eu precisava descobrir onde estava! Precisava sair dali! Precisava terminar o trabalho! Precisava ganhar na loteria! Precisava viajar o mundo inteiro! Precisava conhecer o Johnny Depp pessoalmente! Precisava... abrir os olhos, diabos!
Relutantemente, os abri.
O mundo (ou o que parecia ser uma cópia muito bizarra dele) dissolveu-se na minha frente, um tipo de escritório de redação de jornaleco se materializou e a lagarta bigoduda que me deu uma marretada na cabeça surgiu de trás de um ficheiro velho e mofado.
- Ora, a mocinha acordou! - disse ela - Tudo bem?
- Não.
- Que bom! – ela abriu um sorriso radiante, e em seguida franziu as sobrancelhas - Desculpa ter te tirado do seu sonho de areia movediça, mas, sabe como é, eu só trabalho aqui.
- ...
- Meu chefe já tá vindo aí, aí você fala com ele pessoalmente, tá?
- ...
- Por quê você não senta? - disse, apontando uma cadeira de praia de listras brancas e vermelhas e servindo-me uma bandeja com copinhos coloridos enfeitados com mini guarda-chuvas - Tome um suco, também.
Aceitei o suco. Estava ficando impaciente, a última vez que saí para uma viagem tão surreal quanto aquela as coisas não se sucederam de maneira muito agradável pra mim, no final das contas.
Ouvi então um barulho estrondoso de galope de cavalos, e o que me pareceram trombetas angelicais soaram.
- Oooooooláááááááá - disse uma coisa muito luminosa que entrou pomposamente no escritório, com uma voz em trovão.
- Ei chefe! Ela acordou! - disse a lagarta bigoduda.
A luz se apagou, revelando uma figura muito gorda trajando paletó e chapéu de mafioso.
- Ah, sério?! - disse o gordo de chapéu - Não me diga! Ora, pois me diga alguma coisa mais útil da próxima vez!
- Desculpa, desculpa, chefinho!
- Tá, tá. - a figura enorme voltou-se para mim - Desculpe, Karol. Ele estragou minha entrada triunfal, eu tinha até comprado um holofote pra fazer bonito, mas... enfim, não importa. Essa mosca do cocô do cavalo do bandido do filme de caubói americano contou-lhe o porquê de estar aqui?
- Ah... não... - respondi, meio desnorteada. Primeiro personagem maluco que eu encontrava e realmente sabia meu nome! - Como você...
- Ora, obviamente eu sei o seu nome! Você não sabe o seu nome? Eu posso dizê-lo para você, você se chama Ana Carolina, mas é mais conhecida como Kar...
- Eu sei o meu nome, obrigada.
- Então não há com o que se preocupar! Pois bem, então. Já que esse estrupício não lhe contou, terei eu mesmo que fazer o trabalho sujo.
A figura empinou o peito e pareceu ficar ainda mais enorme.
- Você está aqui exatamente pelo fato de estar aqui. Se você não estivesse aqui, não estaria, concorda?
Puxa, que grande revelação! Como não pensei nesse motivo antes?
- E o fato de você estar aqui - continuou pomposamente - significa que você não bate bem das idéias e precisa de um descanso.
Outra grande revelação. Francamente, eu ainda tinha que terminar o meu trabalho!
- Sim, sim, ok - falei - Mas acontece, enorme figura de paletó e chapéu de mafioso, que eu realmente preciso ir embora, certo? Tenho um trabalho para terminar e...
- Ora, justamente! Eu tenho a solução para isso! E você sabe que eu tenho, por isso veio até aqui.
- Na verdade eu vim porque aquela lagarta me deu uma cacetada e me trouxe para cá.
- Eu só trabalho aqui! - gritou a lagarta de trás de uma árvore de Natal.
- De qualquer forma, eu tenho a solução para seu trabalho - o cara gordo de chapéu de mafioso abriu uma gaveta verde-musgo de uma escrivaninha sorridente e tirou de dentro dela um frasco multicolorido e fumegante - Beba.
Ah, claro. Iria beber aquilo, sim. Com certeza.
- Obrigada, não estou com...
- É uma mistura mágica de ervas e absinto com aroma de limão, não há com o que se preocupar.
- Ah... então... você disse absinto?
Bem, aquilo não podia ser tão ruim, não é? Bebi.
Em seguida a lagarta bigoduda voou na minha direção e ficou pequenininha, entrando pelo meu ouvido.
As imagens ao meu redor começaram a parecer que eram feitas de vidro, vidro este que se estilhaçou em mil pedaços e derreteu em mil cores até tudo ficar branco, ofuscantemente branco.
Enquanto isso, pensamentos que nunca me ocorreram antes brincavam de ciranda-cirandinha em meu cérebro.
Tive um relance do sentido do Universo, foi-me visível a única forma de se acabar de vez com a fome e a desigualdade do mundo, pude compreender como funcionam as religiões e seus deuses, descobri o que era Deus, soube que o mundo ia acabar e que existe vida em outros planetas, pude perceber o quão ínfimo é o ser humano, quantos atos grandiosos foram vãos, como eu não sou nada e como o nada é tudo e o tudo é grande demais pra ser apreendido.
Todas as revelações possíveis me foram feitas, e eu senti que não poderia agüentar, que meus miolos estavam prestes a sublimarem em minha cabeça.
A lagarta bigoduda apareceu girando em espirais na minha frente, dizendo com voz fantasmagórica:
- Escolha... esqueça... escolha... esqueça...
Precisei ser rápida e forçar minha mente a esquecer toda a essência do que estava sendo revelado. Só podia manter comigo...
Uma luz piscou, eu fui jogada por uma janela e estava em meu quarto, sentada na frente do computador, com brilhantes (ou nem tanto assim) idéias para serem escritas em meu ensaio sobre Gil Vicente e a sociedade portuguesa em sua obra.
...
Cogumelos???? hahahahhaha que isso! Escrever ensaios sobre Gil Vicente é o que há de mais moderno em matéria de alucinógenos.
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