Caiu com um baque surdo do lado de dentro do cemitério. Subitamente pareceu-lhe que todos os sons da rua haviam desaparecido. Estava só, cercada pelos túmulos.
O vento gelado balançou-lhe os cabelos negros e despenteados. Puxou para cima a gola da blusa e envolveu-se com o cobertor escuro e marcado. Pegou um embrulho tosco no chão e de dentro retirou uma garrafa de vinho barato. Bebendo um gole, sentiu o gosto ácido do álcool queimar-lhe a garganta.
Caminhou sem dificuldade pelas alamedas fracamente iluminadas à luz minguante da lua. Seu vulto escuro lembrava uma criatura notívaga saída diretamente do mundo dos mortos. O silêncio aterrador era quebrado apenas pelo farfalhar do vento nas copas das árvores.
Chegou ao centro. Uma grande cruz dourada erguia-se ereta, projetando agourentamente sua sombra sobre o tampo de mármore de outra sepultura. As árvores balançavam-se fantasmagoricamente.
Bebeu mais um gole de vinho.
As mãos brancas acariciavam a pedra fria do túmulo. Tirou uma vela do bolso e a acendeu. Aproximando-se da lápide, leu o epitáfio e contemplou outra vez a foto amarelecida.
Lembrou-se daquele rosto outrora cheio de cor. Os cabelos castanhos, os olhos brilhantes, as covinhas que apareciam nas bochechas morenas quando ria aquele riso contagiante, alto e colorido que só ela sabia dar...
Seus olhos vermelhos lentamente fecharam-se e abriram-se novamente, permitindo a fuga rápida de uma lágrima enegrecida pela maquilagem borrada.
Limpando o rosto, bebeu outros goles.
Sentou-se vagarosamente na sepultura e recostou-se na cruz. Aninhou-se apertando ainda mais o cobertor. Ficou alguns instantes assim. Imóvel.
Acendeu um cigarro e fumou-o avidamente até o filtro.
Pegou novamente a garrafa de vinho, ainda cheia pela metade. O cheiro adocicado e nauseante impregnou-lhe as narinas. Virou o líquido na boca, empurrando-o para dentro de uma vez só.
Atordoada, fitou a Lua. Pensamentos disformes passavam correndo pelo cérebro, fugindo de seu entendimento. Sensações de tristeza, pessimismo, desilusão. Angústia. Solidão.
Tirou do bolso um canivete. A lâmina fria brilhou branca com a luz do luar. Observou como que hipnotizada seus pulsos. Queria acabar com tudo. Desistir. Sempre pensava nisso. Não podia suportar mais as agressões do padrasto, a falta de amor, o futuro perdido.
O coração batia apertado quando se deitou ao lado da foto. Agora mais do que nunca sentia falta da mãe. Morta. Enterrada. Há dois anos. Quase esquecida. Nunca mais a veria, nunca mais, nunca mais, nunca mais...
***
O som dos passarinhos anunciava que o dia estava próximo. Acordando, ela abriu os olhos e pôde ver o céu azul cada vez mais claro. Sua cabeça zunia.
Levantou-se com dificuldade e recolheu seus pertences. O canivete, imaculado, estava caído ao lado da foto de sua mãe. Como sempre, não conseguira desistir.
Dirigindo-se para o muro do cemitério parou mais uma vez e olhou para trás. Ao mesmo tempo em que os primeiros raios de Sol tocavam sua fronte e uma brisa amena balançava seus cabelos, sentiu – podia jurar que sentiu – o peso carinhoso da mão de sua mãe em seu ombro.
Um fiapo de sorriso brotou em seus lábios, ao mesmo tempo em que as lágrimas vieram.
“Continue forte” pensou. “Ela está comigo. Sempre esteve. Sempre estará.”
...
:o( que triste...
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