Na mesa do bar, em meio a garrafas vazias e cigarros apagados, a moça de cabelos claros fitava o vazio.
A névoa ambiente embaçava as figuras já meio desfiguradas que pulsavam à sua volta: sorrisos sem rosto, vozes sem boca, mãos sem corpo.
Pensamentos sem mente.
Piscando os olhos negros muito maquilados, a moça bebeu mais um gole de cerveja.
Já havia passado da conta, ela sabia; mas pequenas porções de melancolia etílica ajudavam-na a persistir.
A sentir.
Sentira-se entorpecida a vida toda, de qualquer forma.
Sóbria, o desequilíbrio e a contradição eram constantes, incontroláveis.
Entorpecer-se com substâncias manipuladas ao menos fazia com que recuperasse o controle da situação:
Sabia exatamente quantos copos precisava para alcançar determinado ponto de insanidade – no cotidiano, porém, não contava com qualquer tipo de medição.
Era por isso que estava onde estava.
No bar.
Em plena terça-feira.
Custava-lhe, no dia-a-dia, adequar-se ao sistema da vida que lhe fora imposta sem que ninguém lhe perguntasse se estava de acordo ou não.
Era-lhe penoso tentar se enquadrar ao que o mundo queria que ela fosse quando nem ela mesma era capaz de saber quem queria ser.
Passou a mão repleta de anéis nos cabelos e permitiu-se acender um último cigarro.
Acendeu um último suspiro.
– No fim, tanto faz – disse ela, entre anéis de fumaça – Algumas
vezes, voar é só uma questão de errar o chão.
...
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